terça-feira, 24 de novembro de 2009

"A política como vocação" (continuação)

"A diferença entre o viver para e o viver de situa-se pois, a um nível muito mais grosseiro, ao nível económico. Vive da política como profissão, quem trata de fazer dela uma fonte de receita; vive para a política quem não se acha neste caso. Para que alguém possa viver para a política neste sentido económico… deve ser economicamente independente das receitas que a política lhe possa proporcionar. Dito da maneira mais simples: tem que possuir um património ou uma situação privada que lhe dê rendimentos suficientes… Quem vive para a política tem de ser… economicamente "livre"…

A direcção de um estado ou partido, por parte de pessoas que, num sentido económico, vivem para a política e não da política, significa necessariamente um recrutamento plutocrático das camadas politicamente dirigentes. Naturalmente que esta afirmação não implica a sua inversa. O facto de existir essa direcção plutocrática não significa que o grupo politicamente dominante não trate também de viver da política, acostumando-se ainda a utilizar o seu domínio político para benefício dos seus interesses económicos privados. Não é disto, evidentemente, que se trata. Nunca existiu grupo algum que, de uma forma ou de outra, o não tenha feito. A nossa afirmação significa apenas que os políticos profissionais deste tipo não se vêem na obrigação de procurar uma remuneração através do seu trabalho político, o que, por outro lado, têm que fazer aqueles que carecem de meios de fortuna. Por outro lado, também não pretendemos dizer que os políticos carecidos de fortuna se proponham apenas, e nem sequer principalmente, atender às necessidades pessoais e não pensem principalmente na causa. Nada poderia ser mais injusto. A experiência ensina que para o homem endinheirado a preocupação pela segurança monetária da sua existência é, consciente ou inconscientemente, um ponto cardeal de toda a sua orientação vital. Como podemos observar, sobretudo em épocas excepcionais, ou seja revolucionárias, o idealismo político totalmente desinteressado e isento de alvos materiais é próprio principalmente, se não exclusivamente, dos sectores que, em virtude da sua falta de bens, não tem qualquer interesse na manutenção da ordem económica de uma determinada sociedade. Queremos significar apenas que o recrutamento não plutocrático do corpo político, tanto dos chefes como dos subordinados, se vai apoiar sobre o evidente pressuposto de que a empresa política irá proporcionar a esse pessoal receitas regulares e seguras. A política pode ser “honorífica”, e então será conduzida por pessoas a quem chamaríamos independentes, quer dizer ricas, e principalmente em rendimentos; mas se a direcção política é acessível a pessoas carentes de património, elas terão forçosamente de ser remuneradas. O político profissional que vive da política pode ser um puro prebendado ou um funcionário a soldo. Ou recebe receitas provenientes de taxas e direitos por serviços determinados (as gratificações e subornos não passam de uma variante irregular e formalmente ilegal deste tipo de receitas), ou recebe um emolumento fixo, em espécie ou em dinheiro, e, por vezes, em ambos ao mesmo tempo. Pode assumir o carácter de patrão… Pode ainda receber um ordenado fixo, como é o caso do redactor de um jornal político, ou de um secretário de partido, ministro, ou funcionário público moderno… O que os chefes de partido dão hoje como pagamento de serviços leais são cargos de todo o tipo em partidos, jornais, confrarias, Caixas de Segurança Social e organismos municipais ou estatais. Toda e qualquer luta entre partidos visa, não só um fim objectivo, mas ainda e acima de tudo o controlo sobre a distribuição dos cargos.” (págs. 20 a 24)

(o negrito é meu)

7 comentários:

  1. À partida a afirmação de que para se viver para a política não se pode viver dela parece ter a força da lápide onde poderia estar escrita, porém, pergunto, qual o mais digno de gerir a polis: o que é honrado e ten desígnio, apesar de viver desse serviço, ou aquele que por não precisar de viver desse serviço, terá a questão da honra mais facilitada (ou menos exposta), embora quanto ao desígnio (ou sentido de estado) possa ser muitíssimo mais "pobre"?

    ResponderEliminar
  2. em segundo lugar a afirmação cria, à partida, uma suspeição (que corresponde a uma visão da natureza humana) sobre todo aquele que vive do que melhor sabe fazer, isentando dessa suspeição aquele que já não tem de fazer o que melhor sabe para viver.

    ResponderEliminar
  3. Infelizmente, e não só em Portugal, hoje quase tudo vive da política!

    ResponderEliminar
  4. O poder sempre foi procurado por duas razões: prestígio e benesses; sendo que os casos de verdadeiro amor à cousa pública ou de altruismo serão muito escassos. Em tempos, como era exercido por quem já era abastado (nobreza e clero; depois grande burguesia), embora se possa argumentar que too much is not enough, o primado da "vocação" devia-se ao prestígio. Ora, nos tempos presentes, com o acesso ao poder por qualquer cidadão (não necesariamente os abastados por nascença), e com o desprestígio que os cargos públicos vêm sofrendo por acção dos próprios políticos, o chamento para a vida pública só pode vir pelo lado nas benesses, sejam o vencimento, a notoriedade pública, a esfera social de influência ou até as traficâncias. Claro que é mais fácil fazer o diagnóstico que operar a cura.

    ResponderEliminar
  5. Ferreira-Pinto: há muitos funcionários da política e poucos políticos.

    ResponderEliminar
  6. Tiago: com certeza também neste caso não haverá tipos puros e a realidade é que coexistem, dentro dos partidos e até nas mesmas pessoas, consoante as circunstâncias, as várias situações. Max Weber foi o “tipo” dos “tipos ideais”. E nós sabemos que as hipóteses de encontrarmos tipos ideais são quase remotas. De qualquer forma o seu pensamento tem como vantagem ajudar-nos a compreender diversos fenómenos, como este da situação dos políticos face a questões que, pelos vistos, já naquela altura, constituíam uma preocupação.

    ResponderEliminar
  7. Rui: tem razão. Aliás, cura é coisa que duvido que se consiga. E uma coisa é certa: prefiro, de longe, o sistema em que qualquer cidadão pode chegar à política, àquele em que apenas uns poucos tinham essa hipótese. Mesmo apesar dos pesares…

    ResponderEliminar