quinta-feira, 29 de maio de 2014

As espigas não são todas iguais

Naquela altura nem percebia bem o significado da "espiga". Tal como nas suas terras de origem, muitos dos habitantes do subúrbio de Lisboa onde eu vivia iam, nesse dia, "ao monte" apanhar as espigas e as flores que por ali cresciam para fazer os seus ramos. Lembro-me sobretudo da quantidade de crianças e avós que por ali andavam logo de manhã. Hoje, nesse espaço, uma paisagem familiar para quem tinha vindo do Alentejo (e eram bastantes, naquela zona), existe uma escola e um hotel e as respectivas estradas de acesso. As crianças e os rapazes e raparigas que por ali passam provavelmente não saberão que a espiga simbolizava o pão; as flores, os metais mais ricos; as outras ervas, saúde, força e outros aspectos positivos. O ramo deixou de estar pendurado todo o ano atrás da porta. Muitos avós até já esqueceram o antigo costume.
Algumas mulheres, contudo, continuam a comprá-lo à entrada da estação, onde os vendedores ambulantes aproveitam todas as datas para fazerem negócio. Mas a verdade é que não é a mesma coisa. Os "montes" fazem falta nos subúrbios.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

A propósito de um livro

É quase irresistível, o apelo de uma montra cheia de livros. Invariavelmente entro na livraria e frequentemente me perco nas estantes. Gosto de folhear os livros e, quando alguma página me prende a atenção, acontece muitas vezes que o impulso de o comprar se sobrepõe à contenção que a condição financeira me obriga. Mas quase sempre penso: para quê estar a comprar livros com tantos ainda por ler nas estantes de casa. 
A realidade é que depois, em certas alturas, sabe tão bem a surpresa de olhar para essas estantes, ver um livro que comprámos e arrumámos sem ler, pegar nele e descobrir que é um livro de que passamos a gostar incondicionalmente. Nessas alturas percebemos que afinal o nosso impulso estava certo.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Votar / Não votar

Por razões de saúde o meu pai não pôde votar ontem. 
Para que não fosse confundida com quem está acamado; com quem, por razões de trabalho, não consegue deslocar-se; com quem prefere ir dar um passeio fora da área de residência; com quem simplesmente tem mais que fazer; ou mesmo, com quem acha que isto das eleições não lhe diz respeito; eu fui votar. Desta vez não tive grandes hesitações. Depois de alguns dias a ouvir os tempos de antena na rádio, decidi-me por um partido que esclareceu apenas questões relativas ao trabalho do Parlamento Europeu e apresentou apenas ideias para serem discutidas naquela assembleia. Não elegeu nenhum deputado mas eu procurei saber, previamente, alguma coisa sobre as propostas em cima da mesa e escolhi a que mais me agradou. Sei que cumpri a minha parte e por isso as eleições para mim correram bem. 
Uma grande percentagem dos eleitores não poderão dizer o mesmo. Se é certo que não poderemos saber correctamente qual a percentagem, de entre os cerca de 66 %, dos que o fizeram deliberadamente, tudo nos diz que ela é elevada. Até por isso não compreendo quem considera que a abstenção é a melhor forma de mostrar a falta de confiança nos partidos políticos ou nos políticos. A desactualização dos cadernos eleitorais, a existência de cada vez mais idosos para quem a deslocação a uma assembleia de voto é quase impossível e outras razões imperiosas não deviam poder ser confundidas com quem quer fazer da sua abstenção um voto de protesto. Para tal, o voto branco e o voto nulo deveriam servir na perfeição.
Sei que a abstenção é um fenómeno complexo, com inúmeras variáveis a serem analisadas. Mas, para quem gosta de democracia, mesmo com os seus defeitos, o acto de ir votar não deveria, nunca, ser posto em causa. Quando isto acontece é porque afinal é o próprio regime democrático que está a ser questionado. Sendo estas, eleições a nível europeu, significará que a atitude dos portugueses deve ter uma leitura mais alargada? Claro que sim. E os resultados europeus mostram-nos que questionar desta maneira não traz bons resultados.
Por razões de saúde o meu pai não pôde votar ontem. Mas não deixou de me chamar a atenção para a necessidade de eu ir votar. Ele sabe que poder votar é um privilégio.                                                                                                                     

terça-feira, 20 de maio de 2014

Isto é um anúncio de rádio?

A abstenção continua a figurar como uma das maiores preocupações para as eleições do próximo domingo.
Pelos dados disponíveis de eleições anteriores para o Parlamento Europeu e atendendo ao facto de muitos não compreenderem o papel deste parlamento e a sua importância nas nossas vidas (que se revelou sem qualquer peso na situação actual de tantos europeus do sul) percebe-se esse receio.
Daí se compreender a realização de campanhas como esta:



Mas se, visto o vídeo, este nos parece interessante, é completamente incompreensível a versão para a rádio (que não consegui reproduzir aqui). Nela, umas vozes de "meninas da rádio", de que até gosto, repetem algumas expressões, tornando ridículo o anúncio e, aposto que de forma involuntária, o próprio acto de votar. Não sei se só eu me sinto assim. Mas se o objectivo era o apelo ao voto este anúncio é mesmo um tiro ao lado.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Terá sido comprada a um adepto do Arouca?

A vitória de ontem, a taça conquistada, enchem-no de um poder e de um orgulho incompatível com qualquer tipo de pudor. Por isso exibe o seu equipamento completo do Benfica, com ténis a condizer. Na cabeça um boné do Benfica. Às costas uma mochila encarnada com o emblema do clube. Agarrado a ela um cachecol do Benfica. E, ao vento, a bandeira culmina todo o conjunto. É uma mancha encarnada que faz sorrir todos os que com ele se cruzam. 
Só a bicicleta, com que serpenteia por entre os carros, pintada de azul e amarelo, destoa.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

No domingo há mais

Esperemos que um pouco menos enferrujado... (E nada de fazer piadas com as palavras "portuguesas" e "tomate" já para não falar no clássico: "até os comemos").


terça-feira, 13 de maio de 2014

Corda da roupa (2)

Uma rua que já teve dias de bulício quando era por ali que se ia para o estaleiro de construção e reparação de barcos que cruzavam o Tejo. Agora não se vê qualquer movimento e os únicos sons que ouvimos, nesta tarde de primavera, são os das cigarras. Algumas casas modestas, de um piso só e muros brancos que dão para terrenos que já foram hortas e que agora poucos cultivam.
Num desses muros, presa por dois pregos, uma corda. As molas, que parecem fortes, seguram uma dúzia de peças de roupa. Vista de longe é apenas roupa que alguém deixou a secar e que apanhará logo que esteja enxuta. Quando nos aproximamos vemos que, na realidade, se trata de roupa que foi estendida há muito tempo. Está seca, suja de pó, sem cor. Parece que alguém se esqueceu dela ali ou então, sem atender a afazeres domésticos, a morte chegou sem avisar, levando a única pessoa que a poderia apanhar. 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Corda da roupa (1)

Já foi um armazém organizado. Agora aquele conjunto de paredes, que já foram brancas e que estão cheias de inscrições, não passa de um testemunho de um passado em que algumas fábricas ocupavam aquela zona da cidade mas que, fruto de requalificações do território e da crise que as foi atingindo, foram encerrando.
Sem portas nem janelas, adivinham-se correntes de ar, chuva que não encontra resistência sempre que quer entrar, o frio que se instala à vontade.
Contra todas as probabilidades, quem passa na estrada vê, num dos compartimentos esventrados, uma corda que vai de um lado ao outro das paredes ainda de pé. Nela, a roupa a secar balança ao ritmo do vento.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Três cidades na cidade

                                Imagem retirada daqui

Ainda continuo a pensar como aqui escrevi. Também sei que, em termos económicos, esta faceta de Lisboa como porto de passagem dos navios de cruzeiro é de grande importância para a APL, para muitos comerciantes, etc. A presença constante de um grande número de turistas em Lisboa, vindos em cruzeiros ou não, tem sido uma realidade que, em certos locais, altera até a forma como olhamos para a cidade. Lisboa é uma cidade cosmopolita e por isso haverá sempre lugar para os que, sendo de fora, a querem visitar. 
O grande perigo de tudo isto é começar-se a olhar para Lisboa como sendo uma cidade dirigida para os visitantes e não para os seus residentes e para os que nela têm o seu trabalho. E, de há uns tempos para cá, há algumas questões que me parece que deveriam ser melhor equacionadas. A proliferação de hotéis, hostels e outros é uma delas. A multiplicação dos veículos poluidores de duas, três ou quatro rodas que fazem visitas guiadas e que deixam pelas ruas gases e sons estridentes, é outra. Mas há mais. Os preços praticados em certos estabelecimentos, por exemplo.
Não queria que se esquecesse que Lisboa não é só nossa. Mas também é nossa.

sábado, 3 de maio de 2014

Ayrton

Dia 1 foi um dia cheio de reportagens e homenagens feitas a Ayrton Senna. Desde as mais sentidas às mais ridículas (no Algarve, um responsável por um resort de luxo onde o piloto tinha uma casa fez, quando entrevistado, publicidade descarada ao local) muitos relembraram a terrível data. Mas foi uma imagem no facebook que me fez escrever alguma coisa sobre o assunto. Nela se lia: "hoje faz 20 anos que a Fórmula 1 morreu". Claro que isso é um exagero de linguagem. 
No entanto dei por mim a pensar que, de facto, para mim, a morte de Ayrton marcou o fim do encantamento com a Fórmula 1. Durante anos, na época dos grandes prémios, aos domingos, durante ou a seguir ao almoço, era um programa que não perdia. Eu e o meu pai víamos as transmissões em directo, ouvíamos os comentários de Adriano Cerqueira ou de Domingos Piedade, comentávamos as estratégias de cada piloto. O duelo entre Senna e Prost alimentava muitas corridas e a preferência que tínhamos pelo primeiro levava-nos a vibrar intensamente.
Depois da sua morte nada voltou a ser igual. É verdade que a minha vida pessoal sofreu mudanças por volta dessa altura. Mas tenho a certeza que não foi só por isso. Muitas pessoas que conheço têm também a mesma sensação. A Fórmula 1 continua a ser um desporto que desperta muitas paixões. Mas não há dúvida nenhuma que com ele era diferente.