sábado, 14 de novembro de 2009

Os muros à nossa escala

As conversas e comentários sobre o muro de Berlim, a sua queda e/ou o seu derrube, fizeram-me reflectir sobre uma questão menor, quando comparada com a dos muros que continuam a ser construídos por esse mundo fora e que dividem países, regiões, modos de pensar; mas que, a uma escala bem diferente, também denota os mesmos sentimentos de medo dos outros, de fechamento sobre si próprio, de tentativa de afastar os que são diferentes de nós.
Falo dos muros que, cada vez mais, se erguem na paisagem urbana, sobretudo nas zonas suburbanas, que cercam o que se tem designado por condomínios fechados.
A casa há muito que deixou de ser um mero abrigo. Ela é actualmente um elemento de um projecto individual ou familiar, alvo de investimento financeiro e afectivo, um espaço que marca um território que é o nosso.
A rua onde, no passado, se esbatiam as divisões entre o espaço privado e o público, e que eram um ponto estratégico de encontro, observação e conversa é hoje um local onde se torna necessário circular para ir de um ponto a outro, um obstáculo a transpor. E para isso conta-se com a ajuda do automóvel que, além de ser o maior consumidor de espaço público, afasta quem gosta de circular a pé e simultaneamente afasta os seus ocupantes do mundo exterior.
Se passarmos para as noções de vizinhança e de bairro vemos que, em muitos locais, deixaram de fazer sentido. Com efeito, a ideia de um território onde se interage socialmente, onde existem redes informais de entreajuda, pressupondo-se o uso concentrado de recursos da área, uma apropriação do espaço que implica uma noção de pertença, está cada vez mais afastada.
E se é verdade que as cidades nasceram para lutar contra o medo, a insegurança, o isolamento, ao aproximar os seus habitantes; é a sobrevalorização do indivíduo e o seu afastamento das redes sociais tradicionais que propicia o seu crescente sentimento de insegurança.
E a realidade, por incrível que pareça, é que vivemos actualmente nas sociedades mais seguras que alguma vez existiram embora, por vezes, na comunicação social, se dê a impressão contrária.
Mas claro que a segregação sempre existiu. Os grupos considerados marginais e outros considerados excedentários, supérfluos sempre foram afastados para zonas onde a sua presença não incomode os que se consideram indispensáveis ao bom funcionamento das cidades.
A novidade actualmente é que não chega escolher, para morar, uma zona da cidade que se considera melhor. É preciso afastar os outros a todo o custo. Assiste-se então a uma outra segregação, esta uma auto-segregação. Erguem-se muros, instalam-se sistemas de vigilância, contratam-se empresas de segurança. Vive-se fechado, em condomínios fechados. E se, em certos países, como o Brasil, onde esta realidade já tem muito tempo, a violência urbana é apresentada como justificação para a construção destes espaços, em Portugal tal não faz sentido. (É interessante ver que hoje em dia já se adopta, muitas vezes, a expressão “condomínio privado” para obviar à sensação de falta de liberdade que a expressão condomínio fechado “encerra”).
Ao mesmo tempo que os indivíduos têm maior liberdade e que alargam à esfera internacional o âmbito das suas comunicações (através da internet, por exemplo) fecham-se sobre si próprios, afastando os outros.
Toda esta situação reduz a capacidade de tolerar a diferença entre os habitantes das cidades e multiplica as ocasiões que podem dar origem a reacções de medo tornando a vida urbana mais carregada de ansiedade, funcionando tudo isto como um círculo vicioso.

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