sábado, 21 de dezembro de 2013

Uma das razões/poemas por que gosto de Arnaldo Antunes

Mesmo

eu em mim mesmo
esmo em marasmo
asma em miasma
eu em eu mesmo

eu em mim lesma
em mi mesmado
desorganismo
desabitado

in , Arnaldo Antunes, Álbum Nome, 1993

À atenção do Sr. Putin


A composição sobre o Natal

- Mãe, na semana passada, na escola, a professora de Português quis que fizéssemos uma composição sobre o Natal e sobre o consumismo e materialismo desta época. Todos disseram que o importante era a família e estarmos todos juntos. Mas na verdade estamos todos a pensar é nos presentes. Além de consumistas ainda somos mentirosos... E logo no Natal...

M., 13 anos

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Às seis da tarde

Caminho por uma rua onde poucos caminham. Àquela hora os candeeiros estão já ligados e a sua luz bate no pavimento. Mas só parte dela. O resto é escondido pelas folhas das árvores que balouçam com o vento. Talvez por isso, porque o vento agita as folhas e a luz que entre elas passa, o chão que vou pisando agita-se também. Caminho, por isso, por esse caminho instável sem saber se o que piso é luz ou é penumbra. E, de repente, percebo que estou feliz.

Picus viridis


quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Em resposta a uma pergunta de um jornalista

"Eu não tenho muito tempo para olhar para a janela"

Manoel de Oliveira no dia em que fez 105 anos de idade.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Morreste-nos

Hesitei em escrever aqui alguma coisa sobre a morte de Mandela. Porque é esmagadora esta avalanche de tantas palavras, tantos testemunhos, tantas referências. Eu não saberia o que dizer. Mas, de repente, lembrei-me da palavra que dá título à obra de José Luís Peixoto (Morreste-me) e achei que poderia resumir o que fui lendo e ouvindo desde que ontem se conheceu a notícia.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Coisas inversamente proporcionais

O que aumenta: a idade, as rugas, a flacidez, a necessidade de usar cremes cada vez mais caros.
O que diminui: o dinheiro para os comprar.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Já está a fazer falta


Quando daqui a alguns anos passarmos por aquela rua vamos poder dizer: aqui havia um cinema.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Uma convivência difícil

Um passageiro, ao sair do comboio, depois de uma senhora que ia a ler se ter mostrado incomodada por ele falar muito alto durante a viagem, diz para a sua mulher e para quem quisesse ouvir: filha da puta! Vem para aqui com o livro! Ela que vá mas é ler para a biblioteca!

sábado, 23 de novembro de 2013

O exemplo da "Casa Pereira"

Atendendo à realidade que conhecemos, e que nem sequer é exclusiva de nenhuma cidade em particular, percebemos que as zonas nobres das cidades sejam alvo de transformações que, no que ao comércio diz respeito, se traduz, muitas vezes, na substituição de lojas tradicionais por outras de cadeias internacionais que, obviamente, têm um poder económico incomensuravelmente maior. 
Em Lisboa, soube agora, as lojas que têm a renda média mais elevada ficam na rua Garrett, rua que, por ficar perto do meu local de trabalho, frequento bastante. É de facto uma rua especial. E talvez continue a sê-lo mesmo estando cheia de lojas de pronto-a-vestir iguais às encontradas nas outras ruas ou nos centros comerciais. 
Eu, no entanto, prefiro que não fechem estabelecimentos como o do número 38. Sinto sempre orgulho quando vejo turistas a saírem contentes com as suas compras ou apenas parados a tirar fotografias à montra; e gosto que nele não entrem só os turistas mas os clientes de há muito ou pouco tempo. 
Compreendo que resistir à pressão dos que querem comprar ou arrendar estes espaços únicos não deve ser fácil. Daí admirar essa capacidade de quem nem quer "ouvir o valor da proposta". Não serão muitas e não sabemos quanto tempo mais vão resistir mas Lisboa é mais rica com pessoas como o Sr. António Lemos.


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Almada

Gostava muito de poder estar aqui. Infelizmente não posso.
Mas já hoje ouvi as palavras do poeta (neste caso) na interpretação única de Mário Viegas. Umas e outra não deixam ninguém indiferente.  

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

"O gosto" do King

Vou pouco ao cinema, como vou pouco ao teatro ou a outros espectáculos ou, relativizando, acabo por ir menos do que gostaria. Mas, quando consigo, a maior parte das vezes vou ao King. Este cinema faz parte da minha história pessoal (mesmo muito pessoal) e foi ali que vi alguns dos mais belos filmes que recordo (alguns deles comentados neste blogue). Sem grande cultura cinéfila, procuro, no entanto, conhecer obras diferentes com as quais aprenderei sempre coisas que não sei. E naquele lugar posso encontrá-las.
Neste fim de semana, se tudo correr como previsto, irei até lá rever um dos filmes mito da história do cinema, "O Gosto do Saké". Talvez por ser este filme, o número de espectadores possa ser um pouco maior do que é costume. De facto, pelo menos às sessões a que vou, raramente o número total ultrapassa os 10. Compreendo, por isso, que as receitas não sejam grande ajuda face às despesas. 
A situação, comum a tantos outros cinemas, é perfeitamente compreensível de um ponto de vista económico. Mas, qualquer dia, as nossas opções restringir-se-ão ao sofá lá de casa e aos sofás dos cinemas onde os espectadores se comportam como se estivessem em casa. Nessa altura eu irei ainda menos ao cinema. Mais uma vez, as questões económicas, vão matar mais um pouco das nossas vidas.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Bons exemplos

Tinha curiosidade. Fui a uma livraria e peguei num volume. Abri ao acaso. Página 1571. Capítulo: advérbio e sintagma adverbial. Exemplo apresentado para o advérbio de quantidade: O Cristiano Ronaldo joga muito bem. 

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Mera antecipação ou escassez extrema?

Depois de uma aplicação da Google ter revelado que Jesus e Maria andariam algures por sobre a Suiça, sabemos agora que estariam a caminho da festa de aniversário que o Presidente da Venezuela vai dar ainda em Novembro. Sabendo das dificuldades em assegurar a presença de tão famoso aniversariante na data a que se convencionou associar o nascimento de Cristo, Nicolás Maduro, numa decisão inédita, decretou a antecipação do Natal. Resta saber o que pensam os venezuelanos da questão. Não saberá o Presidente Maduro que comemorar o aniversário antecipadamente dá azar? Ou terá ele medo que os bens essenciais, que tanta falta têm feito no país, não cheguem a Dezembro?

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Já começou

Primeiro foram as montras de algumas lojas, logo seguidas por muitas outras, sedentas de darem aos seus clientes motivos para comprarem. Agora são os veículos pesados que bloqueiam as ruas para descarregarem as estruturas que suportam as iluminações. Os locais públicos fechados enchem-se de árvores de natal, cadeirões, cercas com animais de peluche articulados, crianças que querem brincar e pais das crianças que as levam a brincar e que ficam ali a olhá-las, como já não fazem nos verdadeiros parques infantis que agora estão vazios.
Parece que é isto a magia do Natal. E mesmo que canse toda esta excitação, que parece começar cada vez mais cedo, lá teremos que passar por, pelo menos, dois meses de época natalícia...

As notícias que já não o são e as que nunca o foram

Na sua ânsia por fazerem comentários demolidores ou espirituosos, os utilizadores do facebook (e outros meios semelhantes) raramente se dão ao trabalho de verificar se alguma coisa que lêem é efectivamente notícia ou apenas algo que alguém se lembrou de inventar e pôr a circular como sendo notícia (situações destas acontecem, por exemplo, quando se assume como uma notícia verdadeira algo publicado noutros países em jornais como o "nosso" "Inimigo Público"). Outra modalidade é comentar notícias requentadas (adjectivo completamente desajustado para este substantivo) como se elas fossem de hoje. É assim que os boatos modernos são lançados e que situações que aconteceram no passado ganham um novo fôlego. Ainda há uma ou duas semanas circulava uma notícia que dava conta de um aumento das remunerações de gestores de empresas públicas que motivava uma série de reparos feitos com uma violência verbal acentuada. O clássico "isto é uma vergonha" era o mais suave. 
Estas questões são normais, eu sei. Na fúria de consumir informação e de querer deixar uma marca pessoal nessa informação não se questiona sequer a probabilidade de o que se lê não corresponder à verdade. Mais: deseja-se que as coisas mais inverosímeis sejam reais para que se possa mostrar aos amigos que nada ficará por partilhar, por criticar.
Mas o que mais me incomoda é que a aceitação de notícias absolutamente improváveis significa que já nada surpreende. Por mais indecorosa que seja a situação estamos predispostos a aceitar que ela possa mesmo ter existido, que aquilo que não passa de invenção, ou de algo que aconteceu no passado e que nunca se poderia repetir no presente, constituiu um facto. A sensação da possibilidade de realmente acontecerem as coisas mais absurdas está muito presente. E isso sim é revelador dos dias em que vivemos.  

Às armas!


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O estado da reforma do guião, a reforma do estado do guião, o estado do guião da reforma e outras combinações

A utilização de certos termos para designar documentos que são produzidos pelos governos deveria ser repensada pelos seus autores.
Nesta questão do "guião da reforma do estado", se pensarmos que antes de um guião terá que existir um argumento, começamos logo a perceber que, neste caso, a palavra não está a ser correctamente utilizada. Na realidade, onde está o argumento? 
Depois, tendo em conta que o guião deverá obedecer a uma estrutura lógica, constituindo-se como um documento de trabalho imprescindível que se transformará depois num filme, parece-me que os guionistas que elaboraram este vão ter muitas dificuldades em explicar aos técnicos e aos actores envolvidos o que pretendem realmente que venha a ser realizado. A sequência das cenas e a forma como serão postas em prática é imperceptível. E por falar em realização, quem poderia ser o escolhido? É que em Portugal não é fácil encontrar realizadores na área do cinema fantástico.


Das muitas horas que passei com os jogos da Majora

Era um dos presentes que mais gostava de receber na minha infância. Cada vez que, mesmo sem desembrulhar, percebia que era uma caixa de um jogo ficava muito feliz. Tive vários e muitos eram da Majora. O Jogo da Glória, o Sabichão, o Mikado e outros faziam-me ficar horas sentada no chão a brincar. Mesmo sem companhia podíamos jogá-los. Ainda tenho alguns guardados e as minhas filhas também brincaram com eles. 
Há pouco li esta notícia. Admito que seja difícil concorrer com os jogos que os computadores e outros meios põem à disposição dos miúdos hoje em dia. Mas fico com pena que muitos não conheçam a magia de aprender com a ajuda de um sábio magnético que, com uma vara de arame, nos apontava respostas que a partir de certa altura já sabíamos de cor. Mas repetíamos e repetíamos e ele nunca se enganava. Era bom que ele voltasse agora e nos respondesse a algumas dúvidas...

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Some people...

"Some people know exactly where they're going
The pilgrims to Mecca
The climbers to the mountaintop
But me, I'm just looking
For just a single moment
So I can slip through time
Life on a string"

Laurie Anderson

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

A propósito de inércia

- Filha, vai calçar uns chinelos! Agora já está mais frio para andares assim...
- Ó mãe, já sabes que eu prefiro andar só de meias. Os chinelos saem dos pés e é preciso voltar a calçá-los.

M., 13 anos

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Um clássico intemporal


Tragédias amorosas

- Não sei o que se passa na cabeça de algumas amigas minhas no facebook, mãe. Hoje li uma frase de uma que dizia: "tu viraste uma página mas eu rasguei-a".
- Não percebo, respondi.
- Então, acabou com o namorado. Mas, com a idade dela, devia estar a falar de um livro do Winnie the Pooh...

M., 13 anos

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Inércia

A inércia faz bem e eu tenho tanta pena de não poder praticá-la mais... Por outro lado gosto bastante do trabalho de Rita Blanco como actriz. O mesmo não posso dizer da mais recente campanha de publicidade ao BES. Ao ouvi-la penso sempre que os criativos deveriam ter ficado... inertes.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Há tanto tempo que nada acontece

Do outro lado do vidro

Olhando para dentro do restaurante vejo os clientes que estão sentados junto às janelas que dão para a praça. Riem, numa atitude de quem está de bem com a vida.  Frente aos pratos que contêm pouca comida estão, aparentemente, a apreciar a experiência gastronómica que algum cozinheiro afamado preparou.
Do lado de fora, mesmo junto ao vidro, um homem, que segura na mão um conjunto de almanaques Borda d'Água, lá vai entoando a cantilena para chamar a atenção para o que quer vender. Das suas mãos escorregam alguns exemplares que caem aos seus pés. Ninguém repara e o vendedor, cego, também não se apercebe. Dentro do restaurante os convivas continuam a rir.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

As eleições na minha terra II

Votei por volta das 16.30. Os cadernos eleitorais tinham poucos nomes assinalados como tendo votado. Na página onde o meu nome estava só mais um eleitor tinha estado ali. 
Mesmo descontando a falta de actualização dos cadernos eleitorais o que é facto é que na "minha" freguesia a abstenção foi de 55,23 %.
Quanto a eleitos, à noite, vi na televisão o presidente de câmara vencedor, de mão no peito, agradecer ao seu mentor que se encontrava, provavelmente, a ver televisão e a fumar um charuto para comemorar a sua influência junto de eleitores que pensam que para ter um concelho bem posicionado nas estatísticas vale tudo. Aliás parece que alguns votantes em Isaltino, perdão, em Paulo Vistas fizeram mais: foram à própria Carregueira mostrar que estão com ele. Quanto ao próprio Vistas deve ir hoje à hora da visita prestar vassalagem. Isaltino não estará na Assembleia Municipal mas na Câmara a sua presença continuará a fazer-se sentir. Mais uma vez e tal como há 4 anos não posso deixar de me sentir triste…

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

As eleições na minha terra I

Um dia destes ouvi, num programa em que se falava das eleições autárquicas, a jornalista perguntar a um dos comentadores como era possível que, num concelho com níveis de instrução dos mais altos do país, estivesse à frente das sondagens, um movimento ligado a Isaltino Morais que ostenta, com orgulho, aquele nome na sua designação. O comentador só respondeu que assim se vê a pouca relevância dessas questões em situações destas. Quando Isaltino ganhou há 4 anos já essa questão se colocava. Na altura escrevi isto. Agora, que o ex-presidente se encontra a cumprir pena de prisão por crimes cometidos enquanto presidente, a perspectiva é a mesma.
Enquanto os candidatos dos partidos com menos hipóteses são praticamente invisíveis (foi graças à TSF e a pesquisas na internet que soube quem eram), os principais candidatos (e aqui penso nos do IOMAF, PSD e PS) vão produzindo materiais de campanha que ou não dizem nada ou destacam promessas que estão completamente fora da alçada das suas competências. 
Os que se apresentam com mais vantagem nas sondagens (Paulo Vistas e Moita Flores) das impugnações passaram aos actos e às palavras menos claras. As, agora tão em voga, arruadas têm que ter cautelas extra e os meios autárquicos servem de meios de propaganda. As redes sociais servem também propósitos pouco dignificantes (há por exemplo uma página de facebook cuja designação já permite perceber o nível de debate que ali se faz) e em nada contribuem para o esclarecimento das dúvidas dos que no domingo vão votar.
A verdade é que, em relação às propostas apresentadas, estes dois pouco diferem.O próprio Moita Flores o diz...
Talvez pudéssemos pensar que, numa conjuntura destas, o beneficiado fosse o PS mas aquele partido não investiu numa escolha consistente com a vontade de ganhar pois, mesmo não duvidando das capacidades de Marcos Sá, o seu nome pouco diz aos oeirenses.
Num cenário destes, no domingo lá irei entregar três papéis à mesa de voto, com algumas certezas relativamente aos quadrados que não irei preencher e muitas dúvidas em relação aos que preencherei. Vamos ver se não fica nada em branco... 
Já o meu pai, que tem actualmente 78 anos, e não conseguindo desligar estas três eleições da situação mais global do país, pondera agora, pela primeira vez desde que lhe é permitido votar, ser um dos que vai engrossar a abstenção. Como ele poderão ser muitos o que, pelo motivo que é (a percepção da incapacidade de mudar para melhor) me entristece muito. 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Intercâmbio sem intercâmbio

- Mãe, hoje os alunos de uma das turmas do 11.º ano lá da escola foram almoçar com uns estudantes de uma escola dinamarquesa. É daquelas coisas dos intercâmbios.
Faz uma pausa e acrescenta:
- Mas a turma de cá não vai lá! Não há dinheiro...

C., 15 anos

Os bibes

Cor-de-rosa, amarelo, azul, cor-de-rosa, azul, verde. Estão colocados por esta ordem, certamente há muito tempo, na porta da loja que serve também de montra. Desbotados e com aspecto um pouco sujo já ninguém os compra. Lá dentro o empregado, com ar cansado e esperando os clientes que há muito deixaram de entrar, olha o bulício da rua. 

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O concerto que estava para acontecer

Estava com dúvidas sobre se o valor dos bilhetes seria ou não impedimento para ir ao concerto. Tal como eu muitos deviam andar a fazer contas: o início do ano escolar, o mês de pagamento de um imposto, enfim...
Mas pensava que, para ir ver estes dois, um sacrifício valia a pena ser feito. 
Eis que as minhas dúvidas deixaram de fazer sentido. Diz o artigo que, em comunicado oficial, os artistas "lamentam que as dificuldades económicas locais tenham tornado insustentável para os promotores a realização do espectáculo". Claro que, se fossem outros artistas, dos que andam normalmente pelos tops, promovidos até à exaustão em rádios para adolescentes, duvido que o cancelamento acontecesse. Nesses casos parece que a crise não é razão bastante a invocar.
Seja como for, foi uma oportunidade perdida. 
Fica o vídeo de uma das canções da dupla que, desta vez, não nos vai perguntar "Who is an honest man?"

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

A realidade é bem menos dourada mas trata-se de uma comédia

Apesar de fazer parte da cadeia Lusomundo, é quase um cinema de bairro o do centro comercial perto da minha casa. Ultimamente quando lá vou, ao final da tarde ou à noite, as salas estão praticamente vazias. Hoje estranhei quando, ao comprar os bilhetes, me disseram que já só havia lugares nas 4 filas da frente. E quando o filme começou a sala estava cheia. 
Por insistência da minha filha mais velha fomos ver o filme "A gaiola dourada". Na apresentação tinha pensado que seria um filme divertido. Na realidade é bem mais que isso. É impossível não pensar em alguns conceitos psicológicos e sociológicos elementares. A palavra cliché, comum às duas línguas, português e francês, ganha destaque e o dia a dia do casal de emigrantes em Paris e dos seus filhos e restante família é-nos mostrado, embora caricaturado, na perspectiva dos que estão de fora mas também na das próprias personagens, reforçando uma das ideias centrais desta problemática que é a auto-exclusão e o aprofundamento da endoculturação.
Se pensarmos em termos estatísticos é claro que a família Ribeiro não será representativa. As famílias cujos membros do casal são porteiras e trabalhadores da construção civil em França não terão, apesar das mudanças que foram acontecendo ao longo do tempo, aquela vida, aqueles comportamentos, aquele poder. As inconsistências de status são bastantes e, por isso, em termos sociológicos, não há uma adesão do argumento à realidade.
Mas, afinal, estamos a falar de uma comédia. E, numa comédia, a alteração e mesmo a subversão dos papéis, face a essa realidade faz parte das possibilidades. Este filme está à altura do tema e das aparentes intenções do realizador. E até Joaquim de Almeida (de quem não sou fã) me conseguiu surpreender.
Durante a exibição, a boa disposição na sala foi uma constante e nem os pormenores da forma como o francês era falado passaram despercebidos. Alguns momentos não foram totalmente compreendidos pelos mais novos, que estavam em grande número, mas o filme pode ser uma ponte para falar de muitas questões caras às ciências sociais, História incluída. Para já a minha filha mais velha saiu do cinema a dizer que gostou muito. E, quanto a mim, os pais do Ruben Alves têm motivos para estarem contentes.

domingo, 21 de julho de 2013

Um passeio com a luz como companhia

Terminou hoje o Noor Mouraria Light Walk. Palavras inglesas (à excepção de noor - luz, em árabe) para designar um evento que animou as últimas noites deste bairro tão cosmopolita e tão em voga ultimamente. Das várias ideias postas em prática no percurso entre o Largo do Caldas e a Rua da Mouraria destaco a forma como foi iluminado o interior das igrejas, os manequins trabalhados com muita imaginação no Largo da Severa, as magníficas fotografias do interior da Igreja de S. Lourenço, da autoria de Vítor Barros, e alguns pormenores como este aqui em baixo. 


A surpresa manifestada por quem vinha de fora, e foram muitos os que quiseram ir ver a Mouraria a uma nova luz, juntava-se à surpresa dos próprios moradores por verem o seu bairro brilhar mesmo em noites sem Lua cheia.

domingo, 14 de julho de 2013

Mais um ano de cartoons

Se o que estava previsto se cumpriu já não se pode visitar o World Press Cartoon 2013 em Sintra. Eu fui a tempo e por isso pude apreciar os magníficos cartoons em exposição. Tal como sempre aconteceu, nos dias que passam temas não faltam. E já que temos tantos motivos para ficarmos tristes porque não sorrirmos com eles?


sábado, 13 de julho de 2013

Solista

Mais acima um artista de circo apresenta o seu número com fogo. Muitas pessoas, à sua volta, vão apreciando o espectáculo. Antes disso, ainda, um grupo de músicos andinos tenta impressionar os turistas sentados na esplanada.
Ele, vestindo um fato de cerimónia, continua sentado não muito longe da entrada da igreja, serenamente, a tocar o violoncelo. O burburinho causado pelos que passam não parece afectá-lo. Ninguém se detém. Mas também isso não o perturba. Toca para si. No entanto uma moeda é sempre bem-vinda.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

A urgência (2)

Não estava mais ninguém na estação àquela hora. A quantidade de cartões verdes que tinha comigo não ajudava a ser rápida na compra do bilhete de comboio que me levaria a Lisboa nesse princípio de noite. De repente um homem, cujo andar demonstrava o que já tinha bebido, aproximou-se e disse-me que queria apanhar o comboio. Ao princípio não o percebi. Mas depois entendi que o dinheiro que tinha não lhe chegava para o bilhete e queria passar atrás de mim, quando a cancela se abrisse. Disse-lhe que sim.
Perante a minha demora em atinar com o cartão e os trocos ele atirou:
- Vá lá, depressa, que eu quero ir para casa!

quinta-feira, 27 de junho de 2013

À entrada do metro

À excepção das primeiras horas da manhã, aquele é sempre o seu lugar. É certo que dificulta a passagem quando, vindos do lado direito da rua, queremos aceder às escadas de entrada no metro. Mas já se estranha a sua ausência se ele ali não está. A sua cegueira não lhe permite ver as caras de repugnância com que muitos, que por ele passam, reagem à sua presença. Numa das mãos está sempre um pequeno rádio a pilhas. Esse pequeno aparelho parece agarrá-lo à vida com a mesma força com que ele o agarra.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Adrian Mole ainda na adolescência?

Há uns tempos atrás, lembrando-me da personagem Adrian Mole, perguntei numa livraria se tinham algum dos seus diários. Pensei eu que seria uma leitura divertida para as férias das minhas filhas adolescentes. Disseram-me, na altura, que só tinham os últimos livros em que Adrian é já adulto. Pois hoje encontrei um dos tais livros em reedição. Não gostei da capa. Mesmo assim, peguei nele com intenção de o comprar. Mas, entretanto, li as linhas que estavam na contracapa. As referências à música punk e às calças de bombazine fizeram-me pensar duas vezes. Será que os tormentos de um rapaz a crescer na Inglaterra dos anos 80 dirá alguma coisa aos miúdos hoje em dia? Como leitura de uma época talvez. Quanto à identificação com a personagem ficará bem longe do que acontecia há 30 anos atrás. Da próxima vez pensarei melhor. Por hoje o livro ficou na livraria.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

A urgência (1)

Eu estava a acabar de pagar. Ele entrou na loja e dirigiu-se à empregada que estava ainda a entregar-me o troco e perguntou: 
- Tem daqueles anéis tipo aliança?
A urgência presente no seu tom de voz levou a rapariga a responder de imediato. Que naquela loja só havia artigos de fantasia... Mesmo assim ele quis ver e logo a seguiu, com um passo apressado, até ao expositor.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Há trilogias assim

Em 1995 eu tinha 28 anos. A história de Celine e Jesse, que então conhecemos, correspondia a um sonho de adolescência que já não se justificava na altura. E, no entanto, o seu encontro teve em mim um efeito nostálgico acentuado. Anos mais tarde eles voltavam a encontrar-se e as suas conversas pareciam fazer tanto sentido...
Neste terceiro filme os diálogos continuam a ser de luxo e, na Grécia, sob o signo do "conhece-te a ti mesmo", os protagonistas, numa fase da vida em que, supostamente, deveria haver mais certezas, mostram-nos que é a dúvida que ganha terreno.  

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Uma crónica de rádio sobre a rádio

Um "acordo de viabilidade comercial" fez com que, no lugar de um programa de rádio que existia há 24 anos em Bragança, com ouvintes fiéis, se ouça agora música dos anos 80. A notícia, que ouvi na terça-feira à noite, dava destaque à falta percebida por esses ouvintes que sentem que algo lhes foi roubado. Sensibilizou-me o trabalho de proximidade que dava frutos e que agora foi interrompido.
Ora, esta manhã, a crónica de Fernando Alves foi exactamente sobre o assunto. E porque diz tanto e de uma forma tão bonita aqui fica.

Amália na Rua do Capelão


terça-feira, 4 de junho de 2013

Finalmente!

Depois de ter falhado as anteriores apresentações esta noite assisti, finalmente, a um espectáculo de Ute Lemper.
Sala cheia. No palco só a cantora e dois músicos, um ao piano, outro com o bandoneón. Não foi preciso mais para uma noite quente, cheia de uma voz que nos transporta para diferentes cenários de música para música.
Ute Lemper fez questão de mostrar solidariedade com Portugal e, por várias vezes, se referiu a Angela Merkel de forma muito pouco simpática. 
Residente nos Estados Unidos, da sua Alemanha natal falou-nos da distância que sente da Berlim que conheceu e das dificuldades em reconhecer uma cidade que eliminou, por completo, a memória da vida antes da queda do muro. Interessante, esse reconhecimento da falta que fazem elementos que nos recordam o passado e que, fazendo parte da história dos sítios que conhecemos, fazem parte de nós. 
Mas, voltando à música, para mim o ponto alto foi a interpretação de "Avec le temps" de Léo Ferré. Uma canção que é, já de si, magnífica e que, assim cantada, nos deixa sem fôlego. 
Um grande espectáculo! Perdoamos até o seu castelhano...


segunda-feira, 3 de junho de 2013

Uma das razões/poemas por que gosto de Jorge Reis-Sá

A Vida Inteira

A vida inteira esperei por ti.

Mesmo que ainda se não tenha passado
a vida inteira.

in , Jorge Reis-Sá, Instituto de Antropologia , {glaciar}, 2013, pág. 44

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Para quem tem o sonho de ter uma quinta...

Apesar de faltar o preço... Será que a autarquia, para compensar a diminuição dos valores do FEF, está a dar início à venda das caldeiras das árvores da cidade?





quinta-feira, 30 de maio de 2013

Similitudes

- Mãe, estava aqui a pensar que os partidos são assim como a Casa dos Segredos.
- Então?
- Bem, há uns quantos que estão numas casas e resolvem nomear alguns. Depois há um domingo em que o público vota. Quem tiver mais votos vem cá para fora...

M., 13 anos

E ao lado dos carris...


sexta-feira, 24 de maio de 2013

Património sobre carris

"O comboio é, talvez, um ex-libris do património ferroviário, por ser o que está mais próximo dos cidadãos e, por isso, mais reconhecido, ou mesmo por integrar o universo do coleccionismo. Todavia, o âmbito do património ferroviário é extenso e diversificado, incorporando, material circulante, bens imóveis e móveis, pontes, traçados e até paisagens ou histórias de vida. De que modo, as profundas e rápidas transformações dos hábitos de viajar e a opção crescente pelos transportes rodoviários podem colocar em perigo estes valores patrimoniais, e que soluções se têm encontrado para a sua preservação, são algumas das questões colocadas pelo jornalista Manuel Vilas-Boas, que conversa com a Arq. Paula Azevedo, o Eng. Nelson Oliveira e com os Drs. Jorge Custódio e Rui Cardoso."
É assim que a TSF fala da próxima edição do programa "Encontros com o património", que passa já amanhã, pouco depois do meio-dia. 
Numa altura em que a rede ferroviária do passado, a do presente e a do futuro deveriam ser seriamente discutidas este poderá ser um programa interessante.

Música com desenhos

Fez um ano já que o vi ao vivo. Hoje, por esta hora, está a apresentar o novo álbum, "Roma", como sempre, cheio de humor e bom gosto. Já o comprei. Agora é ouvi-lo!
Deixo aqui o tema já com vídeo. E que vídeo! Para quem desenha bem, Lisboa é mesmo uma bela fonte de inspiração. 


quinta-feira, 23 de maio de 2013

Na soleira da porta

Os dois homens estão sentados lado a lado, na soleira da porta de um edifício, numa rua movimentada, onde tanta gente passa apressada. Um deles, com as pernas estendidas para o passeio, segura a muleta com uma mão e um recipiente de plástico onde se vêem algumas moedas com a outra. O outro, com as pernas dobradas, segura no colo um computador portátil que consulta com atenção.

Escalas

M., depois de eu a censurar por ter deixado por pagar o lanche que consumiu no bar da escola:
- Ó mãe, o país com uma dívida pública de tantos milhões e tu preocupada com 1,70€.

M., 13 anos

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Cachecóis há muitos...

Como benfiquista que sou, este segundo lugar na Primeira Liga, a um ponto do primeiro, deixou-me triste. Nem discuto se este foi o final mais justo para uma prova que obrigou Benfica e Porto, a uma disputa como há muito não se via. Erros dos árbitros à parte, no final há sempre um vencedor que conseguiu ultrapassar todos os outros, dentro do campo. E este ano, mais uma vez, foi o Futebol Clube do Porto que o fez. É por isso que os seus adeptos têm razões para festejar. Mas confesso que as imagens que vi na televisão, mal o fim do jogo chegou, foram deploráveis. Da principal avenida do Porto e dos locais onde os jornalistas estavam em directo, as imagens mostravam cachecóis que eram agitados, mas que, na sua maioria, tinham, não palavras positivas  sobre o vencedor, mas outras agressivas e injuriosas dirigidas ao Benfica. Ao mesmo tempo, também, que os repórteres faziam os directos, adeptos dirigiam-se às câmaras e aproveitavam para fazer sair da boca mais umas quantas palavras ofensivas.
Sei que o futebol, como outras actividades humanas, traz à superfície muito do mais primário de cada um e a demonstração da supremacia de um grupo sobre outro faz parte desse mundo. E sei, ainda, que, se o campeão fosse o Benfica, haveria cenas destas. Mesmo assim chocou-me a forma como se transformou uma comemoração num ajuste de contas entre rivais. E os realizadores de TV (pelo menos do canal que eu estava a ver) ainda ajudaram pois parecia estarem à procura destas situações mais do que da verdadeira festa que, apesar de tudo, espero que tenha existido.

domingo, 19 de maio de 2013

Uma das razões/poemas por que gosto de Al Berto

há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado

por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém

e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no
coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade 

in , Al Berto, O Último Coração do Sonho , Quasi edições, 2006, pág. 43

quinta-feira, 16 de maio de 2013

As letras "politicamente incorrectas"

Confesso que não sei explicar muito bem porque é que não gosto do acordo ortográfico. Muitos dizem que a resistência à sua utilização se prende com a nossa típica resistência à mudança. Poderá até ser. É mais fácil escrever como sempre o fizemos. Claro que sim. Mas até por isso, continuo a não compreender as tais regras que, em muitos locais, vemos já aplicadas. Custa-me, por exemplo, ver as minhas filhas na escola aprenderem a escrever de uma forma diferente da minha. É evolução, dirão; a língua não deve ficar estática, acrescentarão. São argumentos que fazem sentido se se tratar de uma evolução natural, nascida no interior da própria língua. Este acordo não nasceu assim e ainda não me convenceram, até agora, da sua bondade. Continuo, por isso, a defender as vogais e as consoantes que querem arredar das palavras, por decreto, situação que chega, em alguns casos, a dificultar a compreensão das frases.  
E se eu as defendo da única maneira que posso, utilizando-as, há quem o faça de forma mais aprofundada e complexa. Pedro Correia, decidiu passar à acção e deixar escritas as razões pelas quais considera este acordo uma aberração. Podemos lê-las neste livro 


que está já à venda e que será apresentado por Pedro Mexia na próxima terça-feira, dia 21, a partir das 18.30, na Livraria Bertrand do Picoas Plaza (Lisboa).

sábado, 4 de maio de 2013

King e Chavez

O tempo passado nas afinações não foi, neste concerto, tempo perdido. A importância desse preliminar, prévio a qualquer tema tocado, só reforçou a importância das guitarras, verdadeiras protagonistas. Kaki King cantou uma única vez. Mas o seu poder está na forma como nos surpreendeu ao tirar da guitarra sons que não nos pareciam, à partida, possíveis. Pelo meio ainda conversou connosco sobre a sua vida e contou alguns episódios caricatos da sua experiência em Lisboa. 
Antes houve Frankie Chavez. Modesto, na contenção com que lidou com o público, mas grande na forma como se concentrou na sua arte. Grandes canções e interpretações a condizer. Um grande músico.
Os dois tocaram juntos alguns temas. O amor que têm pelas suas guitarras parece ser comum e foi bonito vê-lo assim, partilhado. Ficámos nós a ganhar. 

sexta-feira, 3 de maio de 2013

A diferença que faz uma t-shirt

Ele está no mesmo lugar de sempre. Os movimentos com que indica os lugares vagos para estacionar são os mesmos que faz todos os dias. Só o rosto, hoje com um sorriso, é diferente do habitual. Traz vestida uma t-shirt encarnada com um emblema com uma águia e três estrelas no topo.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Era Abril. Hoje é Abril.

Era Abril e eu tinha sete anos. Agora é Abril e esses sete anos há muito ficaram  para trás. Já sei que, ao contrário do que sonhava na altura, não serei cantora. Também sei que os sonhos de muitos que, nesses tempos, sonharam com um país novo estão hoje abafados por uma realidade que se impõe de forma avassaladora. Já sei que os nossos sonhos não duram para sempre. 
Mas hoje é dia de lembrar esses sonhos. Hoje é dia 25 de Abril.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Uma das razões/poemas por que gosto de Adília Lopes

Não gosto tanto
de livros
como Mallarmé
parece que gostava
eu não sou um livro
e quando me dizem
gosto muito dos seus livros
gostava de poder dizer
como o poeta Cesariny
olha
eu gostava
é que tu gostasses de mim
os livros não são feitos
de carne e osso
e quando tenho
vontade de chorar
abrir um livro
não me chega
preciso de um abraço
mas graças a Deus
o mundo não é um livro
e o acaso não existe
no entanto gosto muito
de livros
e acredito na Ressurreição
dos livros
e acredito que no Céu
haja bibliotecas
e se possa ler e escrever

in , Adília Lopes, Dobra Poesia Reunida , Assírio e Alvim, 2009, pág. 395

Minimalista

A apresentação do autor, na contracapa do novo livro de Rui Zink.
Diz assim: escreve livros, dá aulas, imagina coisas.

sábado, 20 de abril de 2013

É difícil escolher

Vi-o no Teatro Aberto nesta peça, para a qual compôs a música que a acompanhava e que era tocada ao vivo.
Na altura procurei saber quem era e percebi que gostava do que fazia no mundo da música. Agora que ouvi o seu novo disco estou rendida. Deixo aqui "Distant gardens" só porque é a faixa disponível em vídeo. Mas elas são todas muito boas. Ouçam porque vale mesmo a pena.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Uma das razões/poemas por que gosto de Susana Araújo

Programa de Estabilidade e Crescimento

Tu vacilas, não queres ouvir e eu
não vou ter contigo a meio caminho
deposta, abandonada e irrisória
a ponte de ferro quebra-se
assim que o FMI avança

Um casal ainda criança
já refinancia
os seus juros

Não há compensação
para quem sonha severamente
enquanto espera pelo autocarro
durante o horário de Inverno

Vê agora, lá fora: uma
família que forja falsetes
tenta agarrar-se à rede,
frívolos esforços em que
os nossos filhos falham

O estímulo ao investimento
de iniciativa privada promove
a utilização proveitosa dos nossos
recursos: como esta faca de cozinha
que avança para nós com serrilha, sorrindo
combinação certeira entre a ergonomia
o melhor design e a qualidade

Todas as domésticas suturas serão
submetidas a uma rigorosa
análise de sensibilidade

Dorme bem, meu amor e
deixa a manhã reestruturar
a nossa dívida.

in , Susana Araújo, Dívida Soberana , Mariposa Azual, 2012, pág. 42


Que força é essa?


terça-feira, 16 de abril de 2013

Na rua

Estão deitados lado a lado. Um homem e uma mulher. Os seus corpos ocupam a largura exacta do espaço que havia disponível. A barreira formada pelos cartões não os esconde. Só inadvertidamente se parecem tocar, como se estivessem ali, debaixo do mesmo cobertor, por um qualquer acaso. Quem passa não deixa de os olhar. Eles dormem ainda.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Boas Versões (2)

E esta (original dos Fleetwood Mac), é uma verdadeira delícia...

Simon

Em certas alturas é impossível não pensar em Oliver Twist. O Simon de "L'enfant d'en haut" é a principal fonte de sustento da sua família numa Suiça que não estamos habituados a ver. Nem bancos, nem empresas relojoeiras. É o turismo que é o motor da economia à escala deste local, no sopé de uma montanha, que os residentes sobem para ir trabalhar nos restaurantes e hotéis, onde se divertem os que vêm de fora aproveitar a neve, enquanto os dias mais quentes não transformam tudo em lama. 
E é também lá em cima que Simon desenvolve a sua actividade, roubando o que pode e vendendo onde calha conseguindo, assim, sobreviver já que a sua "irmã", apesar de adulta, comporta-se como se fosse ela a criança. Nesta inversão de papéis, é fácil gostarmos de Simon. A sua é uma actividade solitária mas mais solitárias são as horas que passa em casa, sem ninguém, comendo as sandes que não foram feitas para ele. Mesmo assim, só na solidão e na escuridão da montanha, abandonada por todos, ele quebra. 
Com excelente música e mais uma vez um trabalho fantástico de Kacey Mottet Klein, no papel principal, este "Irmã" , na tradução portuguesa, é mais um filme interessante de Ursula Meier.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Boas versões (1)

Nos 25 anos da TSF aquela rádio resolveu pedir a alguns músicos que fizessem versões de músicas que se ouviam, à altura do nascimento. Algumas são muito boas. Esta, já bastante mais antiga, ouvia-se nessa época também já numa versão.
Esta do Vitorino Voador é muito boa.




Do outro lado da rua

A mulher atravessou a rua, rapidamente, para fugir ao carro que avançava e dirigiu-se-lhe.
- Peço desculpa... - começou a dizer.
Perante alguns indicadores que lhe permitiram perceber que lhe iria pedir dinheiro, a interpelada abanou a cabeça.
Em jeito de desabafo, mas de forma ríspida, a mulher respondeu: 
- Olhe, tenho fome, é o que é!

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Lembras-te?

- Ah, olha, era aqui a Loja das Meias! - dizia a senhora para a amiga que, como ela, olhava a fachada do edifício agora ocupado por outra loja.
- Lembras-te do vestido às flores que comprei aqui para o casamento da Alice? - acrescentou.
Já não ouvi a resposta. Elas ficaram a olhar a montra actual mas a ver a que já não existe.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Para sermos felizes é preciso sermos infelizes?

Foi esta a pergunta que me ficou na mente quando o filme acabou. Para as personagens principais, parece que só depois dos acontecimentos traumáticos vividos por ambos, embora em diferentes momentos no tempo, as suas vidas começaram a fazer sentido. Antes disso, cada um no seu registo, ela mais comedida, ele muito desafiador, viviam como se aguardassem ainda a sua vez. E essa vez chega, embora o sofrimento vivido deixe marcas demasiado profundas, que vão até ao osso.
Não é um filme que me tenha deixado rendida. Mas alguns momentos, alguns pequenos pormenores, são de grande beleza. Com soluções técnicas que actualmente tornam possível o que há alguns anos seria um quebra cabeças e uma banda sonora muito interessante é um filme que valerá a pena ver.

sexta-feira, 22 de março de 2013

They call me on and on...



Uma versão de que gosto, no dia em que faz 50 anos que os Beatles lançaram o seu primeiro álbum.

Geografias

M., depois de eu a mandar calar: ora, mas então isto é a Coreia do Norte, ou quê?

M., 12 anos

quinta-feira, 21 de março de 2013

De regresso com a poesia

A Carência

Eu não sei de pássaros,
não conheço a história do fogo
mas creio que a minha solidão deveria ter asas.

Tradução de Maria Sousa do poema de Alejandra Pizarnik de Las Aventuras Perdidas, 1958 in Golpe d'asa - Revista de Poesia 1, CLEPUL e GOLPE Edições, 2011, pág. 63

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Hoje já não é dia de S. Valentim


Pausa

A cadeira de rodas está posicionada no único lugar da rua onde uma nesga de sol consegue penetrar. É aí que ele se encontra. Saiu do local onde costuma estar normalmente de mão estendida, exibindo as suas pernas deformadas, sempre em silêncio. Fuma um cigarro. Tem um ar sereno que contrasta com os rostos de todos os que, apressados, passam na rua. 

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Poema de Eugénio de Andrade com voz de Natália Luiza



Mais um interessante vídeo de Cine Povero. Este com a voz, que sempre achei magnífica, de Natália Luiza.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Pequenos prazeres

Acordar de manhã e ouvir as minhas filhas a partilharem, uma com a outra, os sonhos que tiveram durante a noite.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Curiosidade

A marca de lingerie que podemos ver na montra é "SexKiss". As rendas, cores, laços, a fazer jus ao nome, pretendem ser apelativas. Os manequins, exibem-na, no entanto, sem grande brilho. Podiam ser aqueles artigos ou casacos de inverno que o ar triste teria o mesmo efeito. No interior da loja, porém, o único cliente parece não se importar com isso. Com um ar interrogativo, que as muitas rugas acentuam, olha, toca, apalpa  o material. A empregada parece estranhar. Mas ele continua de costas para ela, indiferente, com o ar de alguém que tenta resolver um mistério.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Definição minimalista

"Chama-se défice isso que uma pessoa tem quando tem menos do que quando não tinha coisa nenhuma"

 in Millôr Fernandes, Pif-Paf, O Independente, 2004, pág. 87

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Do leitão para o sushi...

É uma antiga pastelaria, ou casa de pasto, no centro de Lisboa. Exibe orgulhosamente os azulejos azuis e brancos onde são retratadas cenas rurais ligadas ao cultivo dos cereais. Ultimamente, as sandes de torresmos e de leitão, que via habitualmente na montra, têm vindo a ser substituídas pelas bandejas com sushi. Nada de novo, numa área da cidade onde as lojas de produtos orientais têm vindo a ganhar terreno. Mas não deixa de ser estranho encontrar tal comida naquele cenário. 

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Aqui não houve contenção nos números

Deste ponto de vista o ano começou bem.

Uma das razões/poemas porque gosto de Giuseppe Conte

Toda a Maravilha do Mundo

É como tu dizes, devia de novo partir.
Nunca fui feliz numa casa.
Nunca fui feliz em família.
Nunca senti saudades, quando estava
só e distante. Toda a maravilha
do mundo para mim era o passeio
alto sobre o mar quando, com os livros da escola
numa pasta, com passo rápido
andava, e inspirava o vento
da cor do sal e das piteiras
e fingia dar a mão
a uma rapariga: a maravilha, a raça
forte dos sonhos, os livros, o cinema,
as longas viagens de comboio,
as longas travessias da alma
mas nunca as paredes de uma casa, nunca.

traduzido do italiano por Clara Rowland in No Cais da Poesia 2 Antologia, Organização de Manuela Júdice, Teorema, 2006, pág. 59