sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O que nos ensina o cinema sobre nós?

Este podia ter sido o título (se tivesse havido um título) do debate que se seguiu à projecção do filme “O quarto do filho” de Nanni Moretti em mais uma sessão do Ciclo de Cinema e Saúde Mental que aconteceu ontem no Cinema S. Jorge e na qual estiveram presentes Graça Castanheira, realizadora e professora na Escola Superior de Cinema e Teatro e António Coimbra de Matos, psicanalista da Ass. Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica.

Nunca tinha visto o filme. Já me tinham avisado que era muito triste. O tema, a perda de um filho, não seria para menos. No entanto a sua construção não me permitiu achá-lo assim tão triste. Os elementos de comédia, tão caros ao realizador, estão presentes e a conclusão a que chegamos é que é possível, pelo menos possível, ultrapassar uma situação que, à partida, parece condenar-nos ao sofrimento para toda a vida.

Do debate aprendi que a representação da dor, neste filme, permite-nos falar de dois tipos de luto que, no caso, se segue à morte de alguém tão próximo como é um filho. O luto patológico, assente numa lógica de culpabilidade e um luto “normal” em que intervêm os elementos clássicos associados à perda. Um pai com uma personalidade narcísica (que ainda por cima, sendo psicanalista, se confronta com as suas pulsões e as soluções para as ultrapassar) estará menos predisposto a ultrapassar esta situação extrema.

Outra das questões debatidas foi o afastamento entre as pessoas (entre o casal, entre pais e filhos) que se segue a situações traumáticas deste tipo. Quanto a mim, ele poderá ser entendido como uma defesa; poderá haver uma reacção de desinvestimento em relações que se prova que poderão ter, abruptamente, um fim.

No caso deste filme é o aparecimento de um novo elemento, alguém que, estando de fora da esfera familiar, mas tendo tido contacto com quem desapareceu, tem a distância suficiente e ao mesmo tempo a aproximação para que seja possível a cooperação entre os membros da família, no sentido do renascimento após o trauma. A simbologia da cena da chegada à fronteira (um novo espaço), ao nascer de um novo dia (um novo tempo) é bastante clara; e a aparente conciliação com o mar, na cena final, também parece ir no mesmo sentido.

Graça Castanheira dizia que, apesar de amar o filme, há coisas menos boas nele que não consegue ultrapassar. Uma delas é a presença da banda sonora, não por ser a que é, mas por achar que não há banda sonora para a dor e que a intensidade do cinema se vê, por vezes, diminuída com a introdução de música.

Mas, para mim, apesar de compreender o seu ponto de vista, a música não está a mais. Sobretudo sendo esta música, esta fantástica música:

5 comentários:

  1. Não vi o filme
    mas a tua perspícua
    análise é magnífica.

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  2. Um bom filme e uma boa música.
    A ideia de que a música não pode expressar sentimentos, às vezes melhor que a própria imagem, parece-me redutora.
    E a música sempre teve um papel importante no cinema. Aliás muitos filmes não seriam nada (ou quase) sem banda sonora, por exemplo, o Pulp Fiction.

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  3. Para mim a ideia que não há banda sonora para a dor é absurda. Haverá forma mais atávica de expressar a dor que o grito? Nos filmes mudos, não era a música que falava pelos actores?

    Há uns tempos atrás perdi uma pessoa. Nos dias em que a falta dela me doía/dói mais costumo ouvir, «em repeat», esta música («Wave» do álbum «Camphor», do David Sylvian) :
    http://www.youtube.com/watch?v=3gSfxEjmxXs

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  4. Rui: penso ter compreendido o ponto de vista da Prof. Graça quando defendeu o silêncio e ela falou dele em relação a certas cenas e não em relação a todo o filme. Mas concordo inteiramente consigo. Cinema e música parecem-me inseparáveis.

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  5. Contador Antropomórfico: a forma como lidamos com a dor é muito pessoal. Mas, na realidade, a música fará sempre parte das nossas vidas, mesmo, ou sobretudo, naqueles momentos em que parece que nada mais resta.

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