sábado, 28 de novembro de 2009

“A política como vocação” (continuação II)

“Com o incremento do número de cargos, consequência da burocratização geral e o crescente apetite por esses cargos como modo específico de assegurar o futuro, esta tendência aumenta em todos os partidos, cada vez mais encarados pelos seus seguidores como o meio para alcançar o fim: a obtenção de um cargo.

No entanto opõe-se a esta tendência a evolução do funcionalismo moderno, que se está a converter num conjunto de trabalhadores intelectuais, altamente especializados, mediante uma vasta preparação e com uma honra do tipo feudal muito desenvolvida, cujo supremo valor é a integridade. Sem esse funcionamento abater-se-ia sobre nós o risco de uma terrível corrupção e uma generalizada incompetência…

A questão que agora nos interessa é a de qual seja a figura típica do político profissional… Esta figura modificou-se com o passar dos tempos…

… a figura do advogado moderno fica estreitamente unida à moderna democracia… A política actual é, cada vez mais, conduzida face ao público e, consequentemente, utiliza como meio a palavra falada e escrita. Pesar as palavras é tarefa central e peculiaríssima do advogado…

Para ser fiel à sua verdadeira vocação… o autêntico funcionário não deve fazer política, mas limitar-se a administrar, e acima de tudo imparcialmente… o que lhe está vedado é precisamente aquilo que sempre, e necessariamente, têm que fazer os políticos, tanto os chefes como os seus partidários. Parcialidade, luta e paixão constituem o elemento do político … Toda a actividade deste se coloca sob um princípio de responsabilidade diferente, e mesmo oposto, ao que orienta a actividade do funcionário. O funcionário honra-se com a sua capacidade de executar precisa e conscientemente… uma ordem da autoridade superior… A honra… do estadista dirigente, está, pelo contrário, em assumir pessoalmente a responsabilidade de tudo o que faz, responsabilidade esta que não deve nem pode repelir ou lançar sobre outro…

Desde que apareceu o estado constitucional e, mais completamente, desde que foi instaurada a democracia, o “demagogo” é a figura típica do chefe político no Ocidente… A demagogia moderna também se serve do discurso, mas, embora o utilize em aterradoras quantidades… o seu instrumento permanente é a palavra impressa. O publicista político, e sobretudo o jornalista, são os mais notáveis representantes da figura do demagogo na actualidade”… (págs. 26 a 40)

(o negrito é meu)

(continua)

6 comentários:

  1. «(...) a figura do advogado moderno fica estreitamente unida à moderna democracia…»

    O que é o «advogado moderno», o que é a «nova democracia»? É possível falar de um «advogado moderno» contrapondo-o ao «advogado antigo»? E porquê a ligação à política quando são cada vez em menor número os que se dedicam, simultaneamente, a advogar e a fazer política?

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  2. Nicolina: obrigada pelo seu comentário. Este é o problema das citações incompletas. Por vezes suscitam-nos algumas dúvidas. Estas referências ao “moderno”, neste texto, não se podem separar do facto de ele ter sido escrito em 1919. A moderna democracia, para Weber, surge após a revolução francesa a partir da qual se verifica uma evolução constitucional, com os parlamentos a ganharem mais força.
    O “advogado moderno” aparece no texto após o autor falar dos “conselheiros de príncipes”, “políticos profissionais ao serviço do príncipe na sua luta contra os feudos”, pertencentes a camadas sociais não feudais. Como exemplo dava os clérigos, os literatos de formação humanística, a nobreza cortesã, a ”gentry”, na Inglaterra e os juristas universitários. Foram estes que, de acordo com o autor, ajudaram a erguer, nos países europeus, um estado racionalizado baseado na “poderosa influência do Direito Romano”. Já na Índia e nos países islâmicos houve “uma sufocação do pensamento jurídico racional pela acção do pensamento teológico”.
    Weber diz que : “A função do advogado é a de conduzir com eficácia um assunto que os interessados lhe confiam e nisto…o advogado é superior a qualquer funcionário. Pode fazer triunfar uma questão que se apoia em argumentos lógicos débeis e, nesse sentido “má”, convertendo-a assim numa questão tecnicamente “boa”.
    Actualmente, de facto, a Nicolina terá razão. Os que fazem, ao mesmo tempo, as duas coisas serão em menor número mas se pensarmos em termos de longa duração não estamos muito afastados desta realidade.
    Desculpe o comentário tão longo e obrigada por passar pelos dias imperfeitos.

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  3. Grata pelo esclarecimento. Só agora percebi que cita Weber. As minhas desculpas.
    Entendo agora que Weber se refere ao «advogado pós revolução francesa» que, até hoje, é a nossa matriz, ou seja, aquele que tem por missão/função social defender os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos [cfr. art.º 3.º, alínea a) e art.º 85.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, disponível aqui: http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30819&idsc=128 ].
    Infelizmente esta matriz está a ser corroída/degradada, por um lado pelas dificuldades que a classe atravessa, por outro pela visão puramente economicista da profissão que, de fora, nos querem impôr.Confesso-lhe que não sei bem por quanto tempo mais vamos conseguir resistir...

    Aproveito para confessar que sou uma leitora habitual, ainda que normalmente silenciosa, do seu «Dias Imperfeitos», que muito aprecio :-)

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  4. :) Obrigada. Silenciosa ou não fico contente que vá passando por aqui.

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  5. analima,

    Conheces o Raymond Boudon?
    Julgo que é um seguidor de Max Weber.
    Li, dele, parcialmente "O justo e o verdadeiro"
    e gostei imenso. Hei-de retomá-lo um dia.
    Vou seguir os teus textos de sociologia
    e filosofia política!

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  6. De Raymond Boudon confesso que li apenas, na faculdade, textos soltos, provavelmente fotocópias tiradas de algum livro publicado no Brasil. Ficaram-me sobretudo os conceitos de efeitos perversos e de desigualdade de oportunidades. Penso que sim, que juntamente com Durkheim e Tocqueville, Weber foi a sua grande referência. Da sua geração, em Portugal, falava-se mais de Pierre Bourdieu do que dele. Mas agora que falaste no seu nome também fiquei com vontade de o ler.

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