terça-feira, 30 de março de 2010

(At the edge of the world)

Charlie Haden e o seu contrabaixo precisam de poucas apresentações. Já gravaram com músicos importantíssimos. Lembro só que um deles foi Carlos Paredes (em 1990).  Por curiosidade foi também preso em Portugal, em 1971, por ter dedicado uma canção aos partidários da independência das colónias portuguesas de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.

Do magnífico "Nocturne" deixo aqui:

segunda-feira, 29 de março de 2010

Luz azul

Lisboa, Março 2010

As calças de ganga

- Eu, menina, nunca usei calças de ganga.
A conversa tinha começado com o dono do café. Para além dele éramos as únicas pessoas presentes. A senhora, muito bem cuidada, deixando a um canto as minhas calças de ganga e o blusão já com alguns borbotos, continuou:
- E olhe que já tenho 81 anos! Não me leve a mal, a si ficam-lhe bem as calças mas eu experimentei-as uma vez e percebi logo que não era roupa para mim. E olhe que eu, quando era nova, era de fazer parar o trânsito.
Depois de me perguntar a idade e, na sequência da resposta, me ter passado a tratar por senhora, acrescentou:
- Em 1958, quando cheguei a Lourenço Marques, fiquei doente durante 6 meses, o tempo que lá estive. Não conseguia perceber como é que pessoas normais conseguiam vestir aquilo. Aqui, em Portugal, só os varredores das ruas as usavam. Luanda não, Luanda era como Lisboa. Nenhuma diferença! Mas em Moçambique, tão próximo da África do Sul, era de mais.
Para lá da soberba contida na explicação, achei engraçada a forma como defendia o seu ponto de vista.
Depois de algumas palavras trocadas, saí do café. Não sem antes a senhora me desejar muitas felicidades para o futuro e o dono do café me dizer:
- Esperemos que a menina chegue àquela idade assim.
E eu, pensando na idade desta mulher e na forma como se percebia estar bem consigo própria, dei-lhe razão.

sábado, 27 de março de 2010

O que eu quero dizer daqui a umas horas

Se eu podia viver sem uma vitória do Benfica no jogo desta noite? Podia, mas não era a mesma coisa.

Ta-da!!!


Foto encontrada aqui.

Não foram os circos que inspiraram Capossela na criação deste espectáculo, mas sim as feiras de prodígios. “A cabra com cinco patas”, “o porco com duas cabeças”… que estavam ali apenas para serem exibidas, não porque tivessem algum talento.

O espectáculo de ontem foi uma festa. Da sonoridade associada ao circo até aos temas mais intimistas, Vinicio foi o maestro de uma orquestra composta por músicos que sabiam tocar muito bem os seus instrumentos (o theremin, controlado por Vincenzo Vasi, é sempre um sucesso), mas foram sempre para além disso. O mágico, presente ao longo de todo o tempo, com os seus números, ora bem conseguidos, ora apenas para nos entreter, foi uma peça que ajudou a manter a ideia de que estávamos num local de magia, conscientemente enganados. O público, composto por muitos italianos e portugueses rendidos, fez do auditório da Culturgest um recinto de baile.

E, no entanto, a alegria não nos fez esquecer que estávamos num “Solo Show”. É que, tal como diz o próprio Vinicio Capossela, “chama-se Solo Show porque vamos ter que lidar com ele sozinhos, aguentando firmes, no palco e na plateia. E também porque, afinal de contas, é só um espectáculo - entretenimento, como dar uma volta numa montanha russa suspendendo a incredulidade. Suspendendo o esforço constante para domar o tempo. Umas tréguas com a vida, para que permitamos ser atacados por dentro, por nós próprios, no momento em que fechamos os olhos”.


quarta-feira, 24 de março de 2010

De Viva Voz e Uma das razões/poemas porque gosto de Miguel-Manso

"De Viva Voz". Era esta a expressão que nos convidava a entrar na sala onde os poetas, sentados por entre o público, ouviam outros poetas ler… poemas, como não podia deixar de ser. E, quando chegava a sua vez, lá se levantavam para, também eles, lerem alguns dos seus.
Foi assim que ouvi Pedro Tamen, Nuno Júdice, Armando Silva Carvalho, Teresa Rita Lopes e Tolentino Mendonça. Mas nem só os consagrados tinham voz. Também alguns poetas mais novos nos mostraram que a poesia, em Portugal, está bem e recomenda-se.
Quando o apresentador, André e. Teodósio, chamou Miguel-Manso lembrou-nos que, fisicamente, havia uma semelhança com Herman Melville. E de facto… Mas o que realmente interessa é a sua poesia e essa vale a pena descobrir. Este foi um dos poemas por si escolhido para ler nessa tarde:

O PREC em 2008

o deus Silêncio ostenta as Inumeráveis
águas nesta apertada livraria de Lisboa
também ainda o primeiro título (poesia) de Manuel
António Pina em ano de revolução que

nesse tempo eram mesmo
a sério as revoluções e podíamos acrescentar-lhes pela rua
o nosso carme as madrugadas flores

agora um amigo diz-me: “esta
revolução não dá um passo!”

concedo, mas não desisto

incorro em certos delicados actos de guerrilha
por exemplo deixo poemas em cafés ou em pequenas
livrarias que ainda apoiam em segredo esta causa

revolucionária
depois mando as coordenadas sigilosas à amada
que no dia seguinte quase sempre
pela tarde os vai buscar

[in Quando escreve descalça-se, Trama, 2008]

Fui "buscar" o poema aqui.

Uma viagem de comboio

Via a webrails.tv chegou-me a notícia de um programa engraçado para quem gosta de viajar de comboio (mesmo para os que aguardam impacientes a chegada do TGV). Neste caso a paisagem merece uma atenção que só neste meio de transporte, mais lento, se consegue apreciar. A consultar aqui.

terça-feira, 23 de março de 2010

Luz verde

Lisboa, Março 2010

Precaução

O leão doente

   Um leão vendo-se enfêrmo,
Passa aviso a seus vassalos
De que à vida vai pôr termo,
   E que intenta aconselhá-los
Sobre a regência futura,
Dar-lhes beija-mão e honrá-los.
   Dos leões à fé lhes jura
Que trata bem qualquer fera
Que o visita e que o procura;
   Porêm na furna as espera,
E quando alguma entrar ousa,
Logo a mata e dilacera.
   Eis uma esperta raposa
Pára e diz, sem que entre lá:
«Xou! que eu observo uma cousa!
   Pègadas mil aqui há;
Mas para lá tôdas vão,
E nenhuma para cá;
   Saúde, senhor Leão!
Quero-me à glória eximir
De beijar-lhe a régia mão;
   Porque jurei jàmais ir
A qualquer casa ou logar,
Vendo só por onde entrar,
E não por onde sair.»

Foi reflexão mui subida
Esta que fez a raposa;
Que é loucura desmedida
Entrarmos em qualquer cousa
Sem ver se temos saída.

                                         Curvo Semedo

in La Fontaine Fábulas (escolhidas) edição organizada por Matias Lima, Livraria Chardron de Lello & Irmão, Porto, p. 13

segunda-feira, 22 de março de 2010

Sean Riley & The Slowriders

Ou como em Portugal se escreve e canta tão bem em inglês:

This woman is crazy
Comes around now and then
And shouts some words at me.

I can't remember where we met
Up north near the border
Or down south by the sea.

She's wrong most of the times
But it's the times when she's right
She really gets to me.

So I pray not to see her again
Everytime she comes around

But I know it's not gonna be easy

I don't know where she is
I don't know where she is now.

She always finds a way to find me
I can't run away, there's no way out
No way I'm gonna stay another day.



Notícias recentes aqui.

sábado, 20 de março de 2010

Durmam bem!

Este dia que passou foi dia mundial do sono. Entre outras iniciativas a Associação Mundial da Medicina do Sono previa a exibição de "vídeos históricos". Sempre gostava de saber que vídeos seriam esses... E será que quem os quis ver lhe conseguiu resistir (ao sono)? Quanto a mim, acho que deveria ter aproveitado para me deitar ontem. É que hoje já não é dia do sono e ele não quer mesmo aparecer...

sexta-feira, 19 de março de 2010

Uma das razões/poemas porque gosto de Pedro Tamen

26.

Suspendo a mão entre o A e o B,
entre a minha vida e a vida que andará
dentro da minha vida.
E o mundo refloresce
com memórias de rios e montanhas
inundando estes mares de sal e carne
onde me afogo
para respirar.

in Pedro Tamen, o livro do sapateiro, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2010, p. 34

Um mundo à beira da estrada

As lojas, junto à estrada, vendem ainda artigos em cerâmica pintados com flores de muitas cores. Mas agora já não se vêem os carros parados à porta. Ou só um ou dois, talvez. Para além dessas lojas só os restaurantes, alguns com dormidas, em construções de rés-do-chão e primeiro andar, pintadas com cores garridas e com azulejos com padrões variados, ainda se mantêm abertos. É num deles que estou agora. Os únicos clientes são alguns motoristas que, por ser hora de almoço, aqui vêm fazer a sua refeição. E é de colher na mão que lhe vão piscando o olho. Ela, a dona do estabelecimento, sorri-lhes. É só para servir à mesa que utiliza o batom que comprou da última vez que esteve na cidade. Enquanto está na cozinha não vale a pena, pensa ela. Desde que regressou de França está para ali metida, sem conversar com ninguém. Com tanto que fazer que o seu homem tem e a sua filha a maior parte do dia na escola, até se esquece que é tão nova e que sempre gostou tanto de brincar, de conversar e passear com as suas amigas. É como se aquele restaurante fosse o seu mundo. E ela sente que é um mundo pequeno demais. E, no entanto, a estrada está mesmo ali, a alguns passos.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Poesia (dia mundial)

A poesia está em todos os meus dias imperfeitos. Mas no domingo, dia mundial da poesia, podem até passar a Ponte 25 de Abril a pé, que não deixa de ser uma experiência um pouco poética, quando nos sentimos oscilar por sobre o Tejo; mas lembrem-se que há muitos programas interessantes, como este do CCB para, nesse dia, nos encherem os sentidos de palavras.

Quem parte e reparte...

O cartaz publicitário apresentava uma composição de várias fotografias que formavam uma rapariga bonita vestida com diferentes roupas. Os rapazes passaram e ficaram a olhar o cartaz. Percebi então que eles eram tantos quantos os pedaços em que estava dividido o corpo da rapariga.

"É aquilo ali..."

Já não estamos no dia 17, dia em que Elis Regina comemoraria um aniversário. Mas não faz mal! As efemérides incomodam-me um pouco... e todos os dias são bons para relembrá-la.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Uma das razões/poemas porque gosto de Luís Quintais

D.

No dia da tua morte
o que nos restou cobriu-se
de uma intensidade sem justificação.

Um homem desceu uma encosta,
um jornal dobrado em frente do rosto
protegia-o do fulgor da manhã.

Os semáforos fizeram cair
vermelhos amarelos e verdes
com um diabolismo que lhes não conhecia.

Um homem continuou a descer a encosta,
e a sua indiferença era um acontecimento
maior na história do universo.

As crianças regressavam à escola,
excesso de peso nas mochilas,
foi a notícia do dia.

in Luís Quintais, Canto Onde, Lisboa, Edições Cotovia, 2006, p. 32

segunda-feira, 15 de março de 2010

Extraordinário...

este novo disco de Peter Gabriel.

Diz ele que "... Rather than make a traditional covers record, I thought it would be much more fun to create a new type of project in which artists communicated with each other and swapped a song for a song, i.e. you do one of mine and I'll do one of yours, hence the title - Sractch My Back - and I'll scratch yours."

O resultado é de ficarmos sem respiração. Gosto especialmente de "The boy in the bubble", de "The power of the heart" e deste "My body is a cage". Mas todos os temas nos deixam verdadeiramente emocionados.



Para ouvirmos o que tem o próprio Peter Gabriel a dizer sobre as várias canções podemos ouvi-lo aqui e aqui.

domingo, 14 de março de 2010

Pormenores, muito, muito pequenos...

Ao olhar para a empena lateral desta construção parece-me que a etiqueta "arquitectura" não se adequa muito à situação.


Reparem agora no pormenor da janela, ou seteira. É muito pequena, sim. Talvez a intenção fosse deixar entrar algum ar ou um pouco de luz. Mas então para quê pôr uma caixa de estore, também minúscula, a ocupar quase todo o vão? Enfim mistérios...

Cúmplices

Estávamos no ano de 1980. Eu frequentava o 9.º ano numa escola secundária dos subúrbios de Lisboa. Muitos anos depois do início da construção, e com as obras paradas por longo tempo, a escola tinha sido inaugurada no ano anterior. Lembro-me perfeitamente de uma inscrição que durante alguns anos esteve num dos muros e que dizia: “a escola é tua; destrói a tua parte”.

Como praticamente todos os anos acontecia eu estava numa das piores turmas da escola, no que dizia respeito ao comportamento. Era o que dizia a directora de turma aos pais nas reuniões. Eu não dava por isso. O nosso comportamento não parecia muito diferente do das outras turmas. Lembro-me bem dos meus colegas. Havia os que estudavam muito, os que estudavam pouco, os que se comportavam bem, os que só queriam brincar, os mais exuberantes e aqueles que não queriam dar nas vistas. O Rui e o Nuno eram os que mais dores de cabeça davam e os que, simultaneamente, eram os mais populares.

Dos professores recordo alguns. A única que conseguia manter a turma em silêncio e a trabalhar era a de Físico-Química. Todos os outros passavam metade do tempo a mandar calar.

Nesse ano a opção da nossa turma era Saúde. A professora de Saúde era pequena, magra, frágil. Estava ainda a estudar medicina e era o primeiro ano que dava aulas. Percebia-se a sua inexperiência e a dificuldade em lidar com um grupo de miúdos que nem sempre sabia qual o seu lugar. Recordo-a muitas vezes em cima do estrado, com um ar assustado, sem saber qual a atitude a tomar perante as faltas de educação constantes. Um dia, perante mais um disparate qualquer, a professora disse ao Nuno para sair, com falta por mau comportamento. Ele, depois de ter estado durante algum tempo a argumentar e a dizer que não saía, desafiando a autoridade da professora, lá resolveu que sim, sairia, mas pela janela. A nossa sala habitual era num rés-do-chão e foi mesmo por lá que ele acabou por sair. Durante o tempo que esta situação durou a turma esteve entre o incrédulo e o divertido. Acho que todos acabámos por rir muito. De outra vez foi o Rui que, após uma pergunta da professora, dirigida a todos, pôs o dedo no ar e, perante a incredulidade de todos nós, perguntou-lhe se podia ir ao quadro desenhar um avião. Os vários nãos que ouviu não foram suficientes para o demover e ele acabou por se levantar e ir ao quadro desenhar um avião, perante a impotência da professora que o olhava sem saber o que fazer. Mais uma vez nós nos rimos bastante.

No terceiro período a professora de Saúde já não foi à escola. Soubemos que tinha tido uma depressão. Nunca mais esqueci esta professora e nunca mais esqueci o nosso riso, de alguma forma cúmplice, que sei que se repete de sala para sala, de escola para escola, de 1980 para 2010.

Memórias dos 80's

Os que recordam com nostalgia a música dos anos 80 do século passado têm, este mês, duas razões para estarem contentes. Hoje os Spandau Ballet vão estar no Pavilhão Atlântico.  



No dia 26 são os Alphaville (lembram-se, deste Forever Young?) que estarão no Campo Pequeno.


sexta-feira, 12 de março de 2010

Obrigada

- Ao Carlos Barbosa de Oliveira, do Crónicas do Rochedo por incluir o Dias Imperfeitos na sua escolha de blogs no feminino;
- e mais uma vez ao Pedro Correia, do Delito de Opinião que ali incluiu uma sugestão de leitura de um texto deste blogue.

Sean Penn e "os ditadores democraticamente eleitos"

É conhecida a péssima relação de Sean Penn com os jornalistas. Ele poderá ter as suas razões. Desta vez resolveu passar ao ataque, responsabilizando-os pela má imagem de Hugo Chávez nos EUA.

A propósito desta notícia gostei muito de ouvir os "Sinais" de Fernando Alves, hoje, na TSF.

Os filmes não são nossos…

mas sim dos seus autores. E no entanto quantas vezes já nos apeteceu alterar o final de uma história que é contada num livro ou num filme! Foi o que me aconteceu hoje com o filme “A Single Man”, do realizador estreante Tom Ford, com muitos pergaminhos no mundo da moda, sendo o argumento uma adaptação de um livro de Christopher Isherwood.

Ford filma uma história cujo presente acontece no ano em que ele próprio nasceu, 1962. Numa época em que o sonho americano está em plena expansão, acompanhamos um dia na vida de um professor de literatura marcado pela solidão, após a perda do seu amor de muitos anos. As cores fortes e vibrantes de algumas cenas, que convêm ao aparente bem-estar da sociedade, contrastam com os tons escuros e tristes que sabemos caírem que nem uma luva às emoções por que passa aquele homem.

Não sei se a tradução adoptada, “Um homem singular” será muito feliz. Parece-me que “Um homem só” faria mais sentido.

O trabalho dos actores é fantástico. Colin Firth é extraordinário na sua interpretação (mesmo nas cenas mais inverosímeis da tentativa de suicídio). A forma como nos mostra a contenção das emoções, ao mesmo tempo que elas estão estampadas no seu rosto, demonstra um grande talento.

A aprendizagem da vida depois da perda de alguém querido, a sobrevivência depois de estar submerso no meio do silêncio, deveria ter um outro desfecho. Mas isso é o que achamos nós que, graças ao trabalho dos autores do filme, criámos empatia com o Professor Falconer. E depois são eles prórios a tirarem-nos o prazer de pensar que “a vida continua”. Mas a verdade é que ela, às vezes, não o faz.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Até já, Professor!

O seu "Portugal Hoje - O medo de existir" chamou a atenção de muitos para os filósofos portugueses actuais. Ontem, a sala foi pequena de mais para todos os que quiseram assistir à sua "última aula". Felizmente, um professor pode reformar-se mas um pensador não.
(Ler entrevista no Público aqui)

Em liquidação total

Toalhetes, frascos pequenos, frascos médios, frascos grandes. Já nem assim se vêem livres dos excedentes!


quarta-feira, 10 de março de 2010

Lisbon by night

A visão de um grupo de crianças, entre os 6 e os 11 anos, da cidade, à noite, vista da Serra de Monsanto.

Uma das razões/poemas porque gosto de Maria do Rosário Pedreira

Nunca soube o teu nome. Entraste numa tarde,
por engano, a perguntar se eu era outra pessoa -
um sol que de repente acrescentava cal aos muros,
um incêndio capaz de devorar o coração do mundo.

Não te menti; levantei-me e fui levar-te à porta certa
como um veleiro arrasta os sonhos para o mar; mas,
antes de te deixar, disse-te ainda que nessa tarde
bem teria gostado de chamar-me outra coisa - ou
de ser gato, para poder ter mais do que uma vida.

                                                  (Os Nomes Inúteis)

in Maria do Rosário Pedreira, Nenhum Nome Depois, Lisboa, Gótica, 2005, p. 13

terça-feira, 9 de março de 2010

Revistas na parede

Paredes forradas de livros já todos vimos. Mas esta está mesmo forrada de revistas (e um jornal).


Lisboa, Fevereiro 2009

Ilusões

Coisas que iludem...

Certa gente ao ver distante
Qualquer sombra sobre o mar,
Julga-a um navio gigante...

Mas depois o seu olhar
De mais perto vê a mancha,
O que a faz rectificar:

Não é navio, mas lancha...
Enfim, vendo-a mesmo à beira,
Vê que é uma banal prancha,

Um bocado de madeira!

Muita coisa inspira culto
Ao ser de longe mirada;
Parece coisa de vulto
E ao perto não vale nada!

                                     Matias Lima

in La Fontaine Fábulas (escolhidas) edição organizada por Matias Lima, Livraria Chardron de Lello & Irmão, Porto, p. 86

segunda-feira, 8 de março de 2010

Identificação

Diálogo matinal:

- Mãe, hoje não é o dia da mulher?, pergunta M. (9 anos)
- Sim, é!
- Boa, então é o meu dia!

Dias internacionais

"... Shakespeare tinha uma irmã… Morreu nova – infelizmente nunca escreveu uma palavra… Penso que esta poetisa, que nunca escreveu uma palavra e está enterrada numa encruzilhada, continua a viver. Vive dentro de vós e dentro de mim e em muitas outras mulheres que não estão aqui presentes esta noite, pois estão a lavar a loiça e a deitar os filhos."

Extracto de um texto lido em Cambridge, em Outubro de 1928, por Virginia Woolf.

in ,Virginia Woolf, Um quarto que seja seu, Lisboa, Vega, 1996, p. 131

Alice e Eduardo

Depois de ter visto hoje "Alice no País das Maravilhas" tenho a dizer que, apesar da actualização da história da Alice, situando-a, já não criança, num país muito mais escuro que aquele que conhecíamos; e apesar do magnífico trabalho de caracterização, com realce para o chapeleiro com os seus olhos desiguais e a sua loucura tão humana, sem dúvida a personagem principal; o meu filme preferido de Tim Burton continua a ser, de longe, "Eduardo mãos de tesoura".

Fotos retiradas daqui e daqui.

sábado, 6 de março de 2010

Les femmes c'est du chinois...

Sempre achei interessante esta canção de Serge Gainsbourg. Logo ele que teve tantas mulheres... E a animação que encontrei há algum tempo, na net, também é muito engraçada. 

Noite encantada

Esta não é uma noite de Lua cheia mas hoje a noite foi de Lobo. Norberto Lobo tocou, na Culturgest, a sua guitarra acústica e a sua tambura (que é o seu principal instrumento quando toca nos Tigrala) acompanhado de Guilherme Canhão, na guitarra e Ian Carlo Mendoza, na percussão.
Foi fácil apercebermo-nos da cumplicidade entre estes músicos mas extraordinário é apercebermo-nos, também, da cumplicidade entre os próprios instrumentos, que parecem ter vida própria.
Quanto a Norberto, a sua aparente timidez não parece coadunar-se com a quantidade de músicos importantes com quem já tocou, em Portugal e no estrangeiro (fez, por exemplo, a primeira parte de um concerto de Lhasa de Sela).
Não nos cansamos de admirar as suas mãos quando toca. Esquecemo-nos que é um auto-didacta. Como pode alguém tirar aqueles sons da guitarra sem ter passado por uma escola? Mas a sua relação com ela deve ter crescido ao mesmo tempo que ele próprio crescia. Só assim se compreende o respeito que o músico tem por aquele instrumento que, de forma quase humana, lhe responde, dando-lhe tanto. Que bom ter testemunhado hoje essa relação.

quinta-feira, 4 de março de 2010

"It's raining cats and dogs"

Chovia muito. Dois cães, aparentemente sem dono, abrigavam-se da chuva sob a varanda de um prédio, que tinha uma loja no piso térreo. Estavam deitados, virados para a estrada. A loja, de artigos para animais, exibia bonitas casotas de tecido, brinquedos feitos em diversos materiais, rações próprias para as várias espécies. Na montra, dois grandes autocolantes reproduziam dois gatos com ar de estarem muito bem cuidados. Os cães, cá fora, estavam, acintosamente, de costas voltadas para todo aquele cenário.

Uma opção que pode fazer diferença

É em São Paulo, no Brasil, onde o problema das crianças que vivem na rua é premente. Mas pode ser noutro local qualquer, por qualquer outra causa igualmente importante.



Encontrado aqui

quarta-feira, 3 de março de 2010

Já só se aceitam notas (e sem garantia de reembolso)!

O que eles aprendem sobre nós

Mesmo que seja só por curiosidade, enquanto esperamos num qualquer consultório, não conseguimos resistir às revistas mensais femininas que, espalhadas pelas mesas, apresentam capas apelativas com chamadas de atenção para artigos que, depois de lidos, se percebe serem todos iguais. E não há revista, dirigida preferencialmente às mulheres, que não tenha artigos do género “o que eles pensam de…” ou “o que eles querem quando…” e que, repetindo os conselhos de revista para revista e de número para número, nos dão dicas acerca da personalidade masculina e dos comportamentos que nós, mulheres, devemos adoptar se lhes queremos agradar.

Pois hoje, tentando dar alguma ordem ao caos que é esta secretária onde escrevo, dei com uma revista, de Janeiro do ano passado, que, recordo agora, me foi entregue aquando da inscrição na prova da mini maratona de Lisboa. É a Men’s Health, dirigida ao público masculino, com uma capa clássica, na qual vemos um homem, modelo certamente, mostrando a sua boa (óptima, diria eu,) forma física e com artigos que, afinal, não são tão diferentes dos que já falei no anterior parágrafo. Assim entre artigos como “abdominais definidos sem ir ao ginásio”, “8 regras para fechar bons negócios” ou ”melhore o seu look este ano” temos também: “mais e melhor sexo - melhore a sua nota na cama” e “fantasias sexuais que elas nunca contam”. Nada do que estava escrito me pareceu novo se bem que este último artigo estava subdividido em vários capítulos dedicado, cada um, a faixas etárias específicas: 18’s-adolescentes; 20’s-as loucuras; 30’s-as trintonas; 40’s- a experiência; 50’s-e depois do adeus; o que não deixa de ser relevante.

Mas o que mais me chamou a atenção foi um artigo cujo título era “Mulheres: dar para depois receber!” e o subtítulo: “demonstre a estas quatro pessoas (e a mais um animal…) que sabe cuidar da princesa que os sogros tanto protegem.” Este sim achei muito interessante por me parecer muito elucidativo de certa forma de pensar. Então as quatro pessoas a quem se deve tentar agradar para que uma relação a dois resulte, segundo este artigo, que não está assinado, são: a melhor amiga, cuja amizade se deve tentar conquistar, revelando interesse pelos seus problemas, demonstrando que se está sempre lá. “As mulheres adoram sentir que somos um ombro amigo e que as protegemos”; o ex-namorado simpático a propósito de quem se deve agir com normalidade e segurança, para não correr o risco de mostrar à namorada um lado inseguro; a sogra que, pelos vistos, é “a primeira pessoa que tem que gostar de si” passando a estratégia a adoptar por incluí-la em muitos dos planos a definir; e o sogro a quem não se deve massacrar com elogios à filha, para não parecer ridículo, mas a quem se deve pedir conselhos sobre assuntos financeiros, profissionais, etc., fazendo-o ver que “considera importante a opinião dele na tomada de decisões da sua própria vida”. Finalmente um animal: o gato pois, mesmo que o deteste, vai ter que “demonstrar afecto pelo bicho”, deixando que o cheire, fazendo festinhas ou dando-lhe comida. Enfim, diz-se no artigo, “ o que um homem tem de fazer para levar uma mulher para a cama!”

Edificante, não acham? Felizmente quem lê estas revistas sabe fazer uma leitura com humor e salvaguardar as distâncias em relação à vida real… não é verdade?

terça-feira, 2 de março de 2010

Postais grátis

Não é fácil, à partida, identificar o "produto" que está a ser publicitado nesta imagem.

Trata-se de um postal da Postalfree que realiza campanhas com bastante criatividade e cujos postais eu gosto de coleccionar (sem grande intenção de ser exaustiva pois normalmente só retiro dos expositores aqueles que mais me despertam a atenção). O produto, serviço ou  iniciativa só é revelado no verso obrigando-nos, por isso, a retirá-lo e a virá-lo para podermos então matar a nossa curiosidade.

Quanto a este em particular, que, na minha opinião, não é dos mais bem conseguidos, dá logo uma pista quando o viramos e que é a frase: "é ainda melhor na versão original", que brinca com o significado, para os falantes do inglês, de "french kiss". Pois então o que é publicitado é a Alliance Française, uma entidade especializada no ensino do francês. Pode não ser uma grande campanha mas sempre é melhor que a do Wall Street Institute e as suas frases de Zezé Camarinha.

Uma das razões/poemas porque gosto de Fernando Pinto do Amaral

Eclipses V

Ama de novo a sombra, essa verdade
resistente às palavras.

Ama outra vez as labaredas
à espera de um segredo, da cratera
onde  possam arder
já fora do teu peito, muito longe
desse abrigo deserto a que chamavas
coração.

Ama de novo a lama, todo esse
lodo que lava o mundo e que redime
os nossos passos,
o suor tão mal gasto, a primavera
das vozes iludidas, sempre em busca
do primeiro colapso. Cada corpo
justifica outro corpo e alimenta
o sono da cidade, tantas ruas
iguais a cicatrizes que anoitecem
sobre a espuma dos rostos.

Ama ainda essa porta
por onde nunca entraste, o precipício
que alguém escolheu prá tua alma,
e saboreia a queda.

Ama de novo a sombra quando a noite
romper as tuas veias.

in Fernando Pinto do Amaral, A Luz da Madrugada, Dom Quixote, Lisboa, 2007, p. 73

segunda-feira, 1 de março de 2010

Mobiliário urbano em desuso

Paixão por Vinicio

Em Novembro de 2007, quando assisti ao concerto, em Lisboa, de Vinicio Capossela tinha-o descoberto havia pouco tempo. Já tinha, no entanto, todos os discos publicados em Portugal e sabia que a minha admiração por este autor era imensa e ultrapassava muito um simples gosto do momento. O concerto foi memorável. Em palco, este músico magnífico, que tão à vontade está com instrumentos vários, mostrou-nos que não é só a escrever textos e a compor que o seu génio se manifesta. Até as minhas filhas, das poucas crianças presentes, se renderam.

Agora, neste mês de Março, Vinicio Capossela vem novamente à Culturgest (desta vez em dois dias). Já tenho bilhete há algum tempo. Ainda não consegui comprar o disco mais recente, "Da Solo". Já o gravei, no entanto, enquanto não o compro (obrigada Joana). A música de que gostamos por vezes é contagiante. Por isso e depois de já o ter trazido aqui, e porque sei que este músico italiano, que alguns definem como próximo de Paolo Conte e Tom Waits, não é muito conhecido por cá, deixo aqui um exemplo, do terceiro disco, de 1994, "Camera a Sud", do que é capaz de fazer. Talvez consiga contagiar alguém.