segunda-feira, 4 de novembro de 2013

As notícias que já não o são e as que nunca o foram

Na sua ânsia por fazerem comentários demolidores ou espirituosos, os utilizadores do facebook (e outros meios semelhantes) raramente se dão ao trabalho de verificar se alguma coisa que lêem é efectivamente notícia ou apenas algo que alguém se lembrou de inventar e pôr a circular como sendo notícia (situações destas acontecem, por exemplo, quando se assume como uma notícia verdadeira algo publicado noutros países em jornais como o "nosso" "Inimigo Público"). Outra modalidade é comentar notícias requentadas (adjectivo completamente desajustado para este substantivo) como se elas fossem de hoje. É assim que os boatos modernos são lançados e que situações que aconteceram no passado ganham um novo fôlego. Ainda há uma ou duas semanas circulava uma notícia que dava conta de um aumento das remunerações de gestores de empresas públicas que motivava uma série de reparos feitos com uma violência verbal acentuada. O clássico "isto é uma vergonha" era o mais suave. 
Estas questões são normais, eu sei. Na fúria de consumir informação e de querer deixar uma marca pessoal nessa informação não se questiona sequer a probabilidade de o que se lê não corresponder à verdade. Mais: deseja-se que as coisas mais inverosímeis sejam reais para que se possa mostrar aos amigos que nada ficará por partilhar, por criticar.
Mas o que mais me incomoda é que a aceitação de notícias absolutamente improváveis significa que já nada surpreende. Por mais indecorosa que seja a situação estamos predispostos a aceitar que ela possa mesmo ter existido, que aquilo que não passa de invenção, ou de algo que aconteceu no passado e que nunca se poderia repetir no presente, constituiu um facto. A sensação da possibilidade de realmente acontecerem as coisas mais absurdas está muito presente. E isso sim é revelador dos dias em que vivemos.  

4 comentários:

  1. Olá Ana.
    Há 40 anos eu não conseguia convencer os meus amigos de que era impossível o menino Jesus descer e voltar a subir tantas chaminés numa única noite.
    Há 30 desisti de convencer alguns seniores da minha aldeia de que era mais verosímil os americanos terem pousado na Lua do que a Nossa Senhora ter pousado numa azinheira.
    Há meia dúzia também não consegui que pessoas fora do ramo quisessem conhecer o sr. Kondratiev.
    Há um ano (creio que te lembras disso) esforcei-me imenso (com pouco sucesso) para garantir a vários amigos que os profs universitários não iriam ser aumentados, ao contrário do que se dizia "por aí".
    Hoje mesmo encontro n pessoas que acreditam que o Governo nos corta os salários por sadismo.

    As pessoas sempre acreditaram no que querem. Nesse ponto, espantosamente (ou talvez não), os dias em que vivemos não são diferentes dos passados.

    ;)

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    1. Olá, Carlos
      Depois de ler o teu comentário percebi que, de facto, não relativizei o suficiente. Tens razão. Esta tendência para não vermos mais longe do que a primeira impressão, a primeira leitura, não é coisa de agora. O que é novo é a forma e a rapidez com que se propagam as notícias. Para o bem e para o mal.
      Na realidade a questão é capaz de estar na dificuldade em aceitar, do ponto de vista da vivência quotidiana, um conceito básico da filosofia ocidental:a dúvida. É tão mais fácil aceitar tudo sem pensar. Mas, caramba, com tanta gente que aprendeu na escola o método científico e alguns rudimentos de filosofia seria de esperar mais empenho na busca da "verdade" (mesmo sabendo que a não conseguimos atingir). :)
      Quanto ao que escreveste: estás a querer dizer que o Governo não nos corta os salários por sadismo? :)

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    2. Quanto aos cortes salariais, antes fosse sadismo, isso significaria que bastaria trocar de Governo para eliminar a fonte do problema :\

      Tu também tens razão, é tudo mais instantâneo. Parece-me também que a leitura (se assim podemos dizer...) no ecrã é menos atenta.
      P.S. Aqui que ninguém nos ouve, nem queiras saber a quantidade de notícias do Jornal do Incrível que já recebi vindas de pós-graduados ;)

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    3. Eu não conheço muitos pós-graduados mas imagino que não estejam imunes a esta onda. :)

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