O leão doente
Um leão vendo-se enfêrmo,
Passa aviso a seus vassalos
De que à vida vai pôr termo,
E que intenta aconselhá-los
Sobre a regência futura,
Dar-lhes beija-mão e honrá-los.
Dos leões à fé lhes jura
Que trata bem qualquer fera
Que o visita e que o procura;
Porêm na furna as espera,
E quando alguma entrar ousa,
Logo a mata e dilacera.
Eis uma esperta raposa
Pára e diz, sem que entre lá:
«Xou! que eu observo uma cousa!
Pègadas mil aqui há;
Mas para lá tôdas vão,
E nenhuma para cá;
Saúde, senhor Leão!
Quero-me à glória eximir
De beijar-lhe a régia mão;
Porque jurei jàmais ir
A qualquer casa ou logar,
Vendo só por onde entrar,
E não por onde sair.»
Foi reflexão mui subida
Esta que fez a raposa;
Que é loucura desmedida
Entrarmos em qualquer cousa
Sem ver se temos saída.
Curvo Semedo
in La Fontaine Fábulas (escolhidas) edição organizada por Matias Lima, Livraria Chardron de Lello & Irmão, Porto, p. 13
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