terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A felicidade na sociedade do hiperconsumo (1)

Foi no final de Outubro que assisti, na Fundação Gulbenkian, a uma conferência de que gostei bastante e da qual vou deixar aqui alguns apontamentos por me parecer que a sua actualidade está garantida. Proferida por Gilles Lipovestsky, professor de Filosofia na Universidade de Grenoble e ensaísta, nomeadamente na área da transformação dos valores e comportamentos nas sociedades ditas desenvolvidas, ela integrou-se na Conferência “O Ambiente na encruzilhada. Por um futuro sustentável.”

Tinha lido, há 20 anos atrás, um livro seu, “A era do Vazio”, e queria perceber a evolução do seu pensamento. Já nessa altura as suas preocupações se centravam nas atitudes de narcisismo, apatia e indiferença características das relações sociais nos países "desenvolvidos" do ocidente. O subtítulo do livro era: “ensaios sobre o individualismo contemporâneo”.

Basicamente as suas reflexões continuam a fazer-se no âmbito do consumo nas sociedades contemporâneas. Conceitos como “hipermodernidade”, “hiperindividualismo” (diferente de egoísmo) e “hiperconsumo” estão sempre presentes. Mas estes conceitos, fortemente ligados ao consumo de massas, não invalidam a existência de crescentes sinais positivos, como são o aumento da utilização do microcrédito ou o aparecimento, cada vez em maior número, de acções de voluntariado.

Lipovestsky começou a sua intervenção por chamar a atenção para o facto de continuarmos a utilizar a expressão “sociedade de consumo” apesar de estarmos já na presença de um novo estádio: a sociedade de hiperconsumo sendo o protagonista o hiperconsumidor.

Os traços desta sociedade são:

Individualismo crescente – até finais dos anos 70 do século passado a organização do consumo era feita à volta da família. Havia um objecto por casa (um automóvel, um aparelho de televisão, etc.). Actualmente a lógica é mais individual, há uma maior autonomia no uso dos objectos e serviços, “a chacun son objet”;

Desregulação dos comportamentos de classe – Até há algum tempo atrás o comportamento de consumo era enquadrado pela pertença de classe. Estas exerciam pressão sobre os indivíduos para que a utilização dos objectos fosse feita dentro dos padrões definidos para a classe social. Hoje a única diferença situa-se ao nível do dinheiro disponível. Os referenciais (as marcas, a beleza, por ex.) são os mesmos e obedecem à lógica da mundialização, acessível a todos. Nesta fase os extremos coabitam. Os hiperconsumidores querem uma coisa e o seu contrário. Há por exemplo uma obsessão pelo gratuito e pelos artigos de luxo;

Visão hedonista do consumo – as questões simbólicas, de estatuto, de prestígio (o modelo da distinção de Pierre Bourdieu) recuam face à procura de sensações de evasão, de prazer. O consumo permite viver experiências diferentes no seio das banalidades dos dias. E isso torna-se uma obsessão. Procura-se, numa dinâmica imparável, repetir as sensações, as experiências. E o mercado acompanha esta tendência ao lançar, sem cessar, novos produtos que alimentam a cadeia.

O hiperconsumidor quer viver agora, quer visitar todos os países que puder, questão que se pode cruzar com a mudança nos comportamentos religiosos pois a crença numa só vida é mais frequente. A lógica da poupança não está, então, na ordem do dia.

Mas este individualismo e hedonismo são acompanhados de uma dose imensa de ansiedade que se cura consumindo, numa espiral interminável. Gilles Lipovestsky não acredita que a crise que se vive actualmente mudará, significativamente, este comportamento.

2 comentários:

  1. Eu também não acredito, a menos que ocorra uma catástrofe, tipo Haiti, e aí não haverá outra hipótese. Esperemos que não...
    Interessante, sem dúvida.

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  2. Também não pude deixar de pensar na situação do Haiti, ou de outros países, em que estas questões estão tão arredadas da vida dos seus cidadãos, preocupados, mesmo sem catástrofes, com a sobrevivência.

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