domingo, 13 de dezembro de 2009

“A política como vocação” (continuação VI)

geralmente, o resultado final da acção política mantém uma relação absolutamente inadequada, e frequentemente mesmo paradoxal, com o seu sentido original. No entanto, tal não permite prescindir desse sentido, do serviço de uma causa, se queremos que a acção tenha consistência interna…

…encontramo-nos já perante o último dos problemas… o de ethos da política como causa… Qual é, por assim dizer, o lugar ético que ela ocupa? Neste ponto, chocam-se entre si concepções básicas do mundo entre as quais, em última instância, há que escolher.

Qual é então a verdadeira relação entre ética e política? Não terão, como às vezes se diz, nada a ver uma com a outra? Ou é, pelo contrário, verdade que há apenas uma ética, não só válida para a actividade política como para qualquer outra actividade? ...

… A ética sobrenatural manda-nos não resistir ao mal pela força, mas para o político é o mandamento oposto que tem validade: deves resistir ao mal pela força, pois, de contrário, tornas-te responsável pelo seu triunfo.

Finalmente, a obrigação de dizer a verdade, que a ética absoluta nos impõe sem condições... devem ser publicados todos os documentos, sobretudo aqueles que culpam o próprio país, e, com base nesta publicação unilateral, fazer uma confissão, igualmente unilateral, incondicional das próprias culpas, sem pensar nas consequências. O público dar-se-á conta de que agindo assim, não se ajuda a verdade, mas que, pelo contrário, ela será obscurecida pelo abuso e desencadeamento das paixões. Verá que apenas uma investigação total e bem planeada, levada a cabo por pessoas imparciais, pode render frutos, e que qualquer outro procedimento pode ter, para a nação que o siga, consequências que não poderão ser eliminadas em dezenas de anos…

Chegamos assim ao ponto decisivo. Temos que ver com clareza que qualquer acção eticamente orientada pode ajustar-se a duas máximas, fundamentalmente diferentes entre si e irremediavelmente opostas: pode orientar-se de acordo com a ética da convicção ou de acordo coma a ética da responsabilidade. Não quer isto dizer que a ética de convicção seja idêntica à falta de responsabilidade, ou a ética da responsabilidade à falta de convicção. Não é nada disso em absoluto. Mas há realmente uma diferença abissal entre agir segundo as máximas de uma ética da convicção, tal como a que ordena (religiosamente falando) “ o cristão age bem e deixa o resultado à vontade de Deus” ou segundo uma máxima da ética da responsabilidade, como a que manda ter em conta as consequências previsíveis da própria acção… Quando as consequências de uma acção realizada em conformidade com uma ética da convicção são más, quem a executou não se sente responsável por elas e, pelo contrário, responsabiliza o mundo, a estupidez dos homens ou a vontade de Deus que os fez assim. Quem, pelo contrário, actua em conformidade com uma ética da responsabilidade, toma em linha de conta todos os defeitos do homem médio…

…Quem age em conformidade com uma ética da convicção não suporta a irracionalidade ética do mundo…

Este problema da irracionalidade do mundo foi a força que impulsionou todo o desenvolvimento religioso.” (págs. 78 a 89)

(o negrito é meu)

Nota: no quinto parágrafo Weber referia-se a situações de guerra

7 comentários:

  1. A meu ver, em política, não só a ética de responsablidade se deve sobrepor à da convicção como também a razoabilidade deve valorizar-se mais do que a razão.

    De facto, a sociedade integra não só indivíduos distintos uns dos outros como grupos familiares, étnicos, religiosos ou regionais com a sua cultura e identidade diferenciada.

    Ora, nesta variedade multíplice não importa tanto quem tem razão e quem a não têm, mas antes o que razoavelmente pode e deve ser aceito por todos, em termos pelo menos razoavelmente compatíveis com as suas crenças e doutrinas particulares do grupo a que sentem pertencer.

    Claro que, à la longue, esta tolerância recíproca tende a originar uma sociedade diferente globalmente homogénea numa cultura eclética.

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  2. Muito interessante esta questão da razão e da razoabilidade. Como sabemos que não existe uma única razão devemos tentar compreender as várias razões e agir razoavelmente. Tens razão, portanto. Ou estás a ser razoável?

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  3. :) Não, rapariga!

    Não penses que sou um céptico
    ou um relativista, longe de mim!

    Abomino a curva de indiferença
    entre doutrinas ou concepções de vida.

    O que se passa é que não tenho alma
    de prosélito, mas apenas de sedutor... :)

    Ora, por distintas que sejam as filosofias
    de vida, na verdade determinadas
    por modos de vida diferentes,

    - («É a existência que determina a consciência
    e não a consciência que determina a existência.»
    ) -,

    o certo é qua há um só mundo
    e é na congruência da natureza
    que nos forma e de que dependemos
    que a Razão percepciona o mundo
    e o intelige, obedecendo-lhe
    em proveito próprio
    e dos seus! :)

    Daí que, a distinção entre diferentes
    concepções do mundo e da vida deva
    forçosamente transmutar-se
    em áreas de grande
    sobreposição
    de ideias

    e é ness subsolo comum, - compatível
    com e na origem dediferentes concepções
    ideológicas -, que a política
    deve constituir os dítames
    e as leis que regem
    as sociedades.

    Porque, queiram-no ou não os colectivistas,
    é a sociedade que deve existir para
    os indivíduos e não os indivíduos
    para a sociedade.

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  4. .

    E mais:
    - A ciência não é democrática!

    Uma só pessoa
    pode ter razão

    contra todos os outros!


    Só que, em política,
    o que deve valorizar-se
    é o que é razoável aceitar.

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  5. Adorei a veemente resposta à minha provocação :)

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  6. lol,

    Mas sabes, ana

    Aqui há uns anos, antes do 25 de abril,
    num curso de «dinâmica de grupos»,

    o monitor dr.Correia Vicente
    - um licenciado em medicina,
    convertido à psico-sociologia -,

    ensinou-nos uma coisa simples
    que eu achei deslumbrante
    e me iluminou sobretudo
    depois do 25 de abril!


    Disse: - A democracia não é
    discutir depressa e depois
    ir a votos; tudo se deve
    esclarecer amplamente;
    ir a votos é a última
    coisa; decisivo
    é o debate
    de ideias.

    O que verdadeiramente
    a democracia defende

    é

    o respeito pela opinião minoritária;

    e pela razão singela
    de que pode dar-se
    que, no futuro,
    talvez venha
    a convir-se

    que

    «essa era a opinião que tinha a razão.»


    Eu acho notável que isto tenha sido ensinado
    antes do 25 de abril e ainda hoje me impressiona
    esta lição!

    :))

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  7. Grande lição, com efeito. O debate de ideias será sempre fundamental. E a possibilidade de todos poderem expor as suas ideias, mesmo sendo minoritárias, é fundamento da democracia. Mas infelizmente aquilo a que assistimos, quase sempre, é imensa gente a falar e quase ninguém a ouvir. Desta forma não é fácil debater ideias nem esclarecer nada amplamente.
    Aliás, nas campanhas, de praticamente todos os partidos, é a isso que assistimos.

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