domingo, 6 de dezembro de 2009

“A política como vocação” (continuação IV)

“… O domínio dos notáveis e o governo dos parlamentares acabaram. A empresa política está nas mãos de profissionais trabalhando em regime de tempo inteiro, que se mantêm fora do parlamento… Formalmente, produz-se uma acentuada democratização. Já não é a fracção parlamentar que elabora os programas adequados, nem são os notáveis locais que decidem a proclamação de candidatos. Tais tarefas são reservadas às assembleias de membros do partido, as quais designam candidatos e delegam aqueles que hão-de assistir às assembleias superiores… até chegar à assembleia geral do partido… O que é decisivo é que todo este complexo humano… ou melhor, aqueles que o dirigem, estão em situação de neutralizar os parlamentares e de, em grande parte, lhes impor a sua própria vontade. Este facto é de especial importância para a selecção da direcção do partido. Converte-se agora em chefe aquele a quem o mecanismo do partido segue, mesmo passando por cima do parlamento…

É evidente que os militantes do partido, sobretudo os funcionários e dirigentes do mesmo, esperam do triunfo do seu chefe uma retribuição pessoal em cargos ou privilégios de outro género. E o que é importante é que o esperam dele e não dos parlamentares ou apenas deles. O que esperam é, sobretudo, que o efeito demagógico da personalidade do chefe ganhe, na luta eleitoral, votos e mandatos para o partido, dando-lhe assim poder e, consequentemente, aumentando ao máximo as possibilidades dos seus partidários de conseguir a almejada retribuição…

Esta reforma impôs-se em medida muito diversa nos diferentes partidos e países, e sempre em luta constante com os notáveis e parlamentares que defendem a sua própria influência… A evolução que até ela conduz sofre continuamente retrocessos, cada vez que não existe um caudilho geralmente reconhecido. Mesmo quando tal caudilho existe há que fazer concessões à vaidade e aos interesses dos notáveis do partido. No entanto, o risco principal consiste na possibilidade de o mecanismo cair sob o domínio dos funcionários do partido… Não obstante os funcionários inclinam-se com bastante facilidade perante uma personalidade de chefe que actue demagogicamente, dado que os seus interesses, tanto materiais como espirituais, estão vinculados à desejada tomada do poder pelo partido… Muito mais difícil é a subida de um chefe onde, como acontece na maioria dos partidos burgueses, existem além dos funcionários alguns notáveis com influência sobre o partido.” (págs. 52 a 54)

(o negrito é meu)
 
(...)

5 comentários:

  1. Difícil...

    Espinosa, um filósofo político, uma espécie de Maquiavel elevado ao cubo!, sustenta que as instituições tendem a preservar na sua existência indpendentemente de quaisquer finalidades que hipoteticamente lhe hajam sido consignadas pelos seus fundadores...

    Talvez a única maneira de conseguir evitar a degenerescência das instituições seja a da sua existência e subsistência estar estritamente dependente dos interesses vivos que levaram à sua criação.

    Ora, se a democracia parlamentar surge com a necessidade de garantir a liberdade económica do terceiro estado (para lá da nobreza e do clero),

    o facto de a concentração da produção em grandes empresas multinacionais, - dependentes da investigação científica e tecnológica de topo - só garantida pelos interesses militares dos estados -,

    conduz, por isso mesmo,

    à necessidade de fazer representar os interesses dos cidadãos de um modo inovador,

    já não pelo parlamento e pelos partidos estratificados nos respectivos aparelhos, como puras agências de emprego,

    mas sim na aliança da sociedade com as universidades,

    à maneira de Platão que considerava, para lá do "saber-fazer" dos artífices(=sistema de produção), se deveria escutar e obedecer às indicações do utente, utilizador final do artefacto

    que deve idear-se de modo a assegurar a conformidade do objecto com a felicidade e o bem-estar da sociedade...

    (Bem, não sei se me perdi, mas o certo é que os aparelhos partidários estão a enferrujar e desnaturar a democracia)

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  2. Lamento não estar à altura de responder a este comentário uma vez que as minhas leituras de Espinosa e Platão ficaram já muito lá para trás. Mas, seguindo apenas o teu raciocínio, parece-me que as primeiras reflexões fazem todo o sentido. Sabemos que quase nunca os propósitos iniciais de uma determinada instituição se mantêm no tempo, acontecendo, por vezes, que nem os seus membros os conhecem. Mas, nos partidos políticos, tal como noutras, os pressupostos iniciais têm obrigatoriamente que ser revistos com o passar dos anos pois só assim conseguem ir de encontro às mudanças que o próprio eleitorado sofre. Aqueles partidos que mantêm um rumo inalterável são positivamente considerados pela sua verticalidade e persistência nos valores fundadores mas, devido às mudanças que se verificam na sociedade, não têm grande aceitação na altura dos votantes se decidirem por este ou por aquele.
    A importância dos parlamentos é fundamental. É por isso que a nomeação de ministros que nunca passaram por uma votação para a Assembleia da República, no caso do actual governo, me faz alguma confusão. É que ser bom técnico é importante; mas parece-me que a existência de ligação à vida política, pela via do parlamento, só pode ser positiva. Claro que muitos dirão que na Assembleia não se aprende nada de bom. Mas eu continuo a achar que sim.
    Os aparelhos partidários, na nossa forma de organização política, parece-me que não têm tendência a perder força pelo que continuaremos, certamente, a ter que contar com eles nas decisões tomadas por todos os partidos.

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  3. De facto, também discordo da chamada "democracia directa" e detesto qualquer tendência caciquista para que tende a degenerar o denominado "poder popular".

    Assim, também me vejo remetido para a democracia baseada nos partidos políticos.

    Contudo, não encontro motivos de esperança no modo como eles funcionam porque não discutem ideias, estratégias e visões da sociedade, antes se ocupam com propagandas demagógicas com a finalidade de se servirem dos cargos públicos.

    Para contrariar este estado de coisas defendo uma aliança da sociedade civil com as universidades, instituições científicas e de investigação; por exemplo, forçar os partidos a reservarem quotas para candidatos, filiados ou independentes, com passado curricular no ensino e na ciência, os quais não deixariam de perturbar maiorias e vetar leis que atentassem contra os objectivos de instrução e desenvolvimento educacional, intelectual cívico do povo.

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  4. Ora aí está uma bela utopia! De qualquer modo já há, dentro dos partidos, membros com esse passado e/ou presente ligado ao ensino e à ciência. Não sei se o seu estilo de fazer política difere muito do dos outros. Eu não sou tão optimista quanto ao papel “moralizador” das universidades e das instituições científicas e de investigação que têm, muitas vezes, dentro delas, o mesmo tipo de relações de poder que encontramos nos partidos.

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  5. Compreendo esse cepticismo e receio que possa ser bem real... Mas gostava de ver renascer uma classe de cientistas como foram Einstein e Bertrand Russell, ambos espíritos desassombrados que souberam contrariar a opinião pública dos políticos e da sociedade em prol de ideias de justiça e equidade. E como a super-estrutura de produção existente não pode subsistir sem o trabalho qualificado dos cientistas, considero que esta classe pode ter nas mãos a chave para a liberdade, inteligência e dignidade de todos os cidadãos.

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