quinta-feira, 22 de julho de 2010

Para lá de umas portas azuis


A fotografia da maqueta da basílica de Fátima está pendurada em lugar de destaque, bem visível para quem entra. É com orgulho que nos diz que foi ele a construí-la nos anos 50 do século passado. São dessa altura as fotografias emolduradas e penduradas em fio de nylon que o representam a si, quando sonhava em ser um grande escultor.

O amontoado de peças moldadas em gesso branco ou pintado não deixa muito espaço para os movimentos. Mas o Sr. Acácio, habituado que está ao seu estreito corredor, por entre as estantes improvisadas, move-se ali com um grande à-vontade. O ar aprumado do vestuário com que recebe os visitantes, aparentemente pouco adequado para um atelier em que se manipulam materiais que sujam, é uma prova de respeito para aqueles que entram, mas também para o trabalho que considera a sua vida. O orgulho no seu passado de artista reconhecido (“trabalhei com grandes arquitectos”) é evidente em cada referência que faz ao tempo em que não se limitava a trabalhar sozinho naquele lugar, para onde vem todos os dias, logo cedo, desde a sua casa nos subúrbios.

As peças em gesso ganham cor com as técnicas utilizadas que vão das mais clássicas às que ele próprio inventa, misturando produtos que nem sempre resultam. “Às vezes sai cada coisa…”, diz sorrindo.

Nas prateleiras, os bustos de Lenine estão lado a lado com os de Salazar. Mas Lenine tem direito a ter estatuetas que representam a totalidade da sua figura. Santo António está também lado a lado com um dos motivos mais representados: uma cabeça e tronco de mulher com uns seios bem avantajados. E depois há os animais: andorinhas, burros, peixes, rãs, cavalos, mochos. E figuras do imaginário infantil, como anões.

Os bustos da República constituem a aposta mais recente. Há que estar a par das efemérides. Mas, num absoluto sincretismo religioso, as N. Sras. de Fátima, os Santos António, as figurações de Jesus Cristo, mas também os Budas e divindades orientais estão sempre no top. Quanto aos bustos de Camões já tiveram mais saída mas mesmo assim convém tê-los sempre à mão. Parece que os turistas gostam.

“Semana em que venda duas peças já é boa”, diz. E no entanto não deixa de trabalhar. O stock acumulado não o assusta. No meio de tanta coisa há sempre espaço para mais uma. E quando o Sr. Acácio deixar de trabalhar ficará, certamente, ainda muito espaço.

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