domingo, 10 de abril de 2011

O meu avô

O meu avô era sapateiro. Punha meias solas, arranjava as almas partidas (isto é tão bonito de se dizer), engraxava, puxava o lustro. Mas ele também fazia sapatos. Das lojas do Poço do Borratém trazia os couros, as linhas, as solas. E cortava, montava, cosia, dando a todas essas coisas um aspecto de sapato. As encomendas lá vinham chegando. A Casa do Gaiato era cliente habitual. Provavelmente o único.
O meu avô trabalhava em casa. Parte da cozinha era a sua oficina. As ferramentas como o martelo, a sovela, o alicate; os materiais, os cheiros faziam parte da minha infância. Ainda hoje o cheiro da cola e da graxa me fazem regressar ao passado. Quando estava em casa sentava-me perto dele e via-o trabalhar. O rádio ligado não impedia que fosse conversando comigo. Falava-me das notícias que ouvia e lia nos jornais. Todas as manhãs o ardina passava e atirava o jornal para a varanda do primeiro andar onde morávamos. Tinha que estar sempre informado e sabia sempre tantas coisas. Poucos anos depois da chegada do Homem à Lua defendia ainda, junto da minha mãe, sua filha, que apesar de muito mais nova estava muito céptica, todas as coisas boas que as novas descobertas trariam à humanidade.
O meu avô morreu no mês de Abril de 1974, dias antes do dia 25. Ele teria gostado de o viver mas o seu coração não deixou.
O que aprendi com ele não sei explicar. Mas sei que, sem ele, não seria eu. Tinha 7 anos e nunca ninguém mais me ensinou tanto.

7 comentários:

  1. Aprendemos sempre tanto com os nossos avós!! Muitas vezes, só nos aperecebemos disso mais tarde. Mas uma coisa é certa e tens toda a razão... sem ele, não serias a mesma, assim como eu, sem as minhas duas avós, não seria a mesma... :)beijo

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  2. Tens razão, Eva. A maior parte das vezes só nos apercebemos da importância destas aprendizagens bem mais tarde. Uma boa semana!

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  3. Em criança, eu gostava muito de ver os sapateiros a trabalhar. E ficava sempre impressionada com o facto de ter lá entregue sapatos com os tacões estragados e os receber novinhos em folha, como se de sapatos novos se tratasse :)

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  4. Agora é um pouco diferente, Cristina, sobretudo nos estabelecimentos que, entre outras coisas, arranjam sapatos nos centros comerciais. As ferramentas manuais já são poucas e já nem os cheiros são os mesmos. Não estou a dizer que seja pior mas eu lembro-me sempre com alguma nostalgia como era dantes. :)

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  5. Olá, Paulo. É uma óptima recordação, sim. :)

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  6. Bonita homenagem. Deixou-me comovido. Tanto mais que gostaria de ter essa tua capacidade de dizer o fundamental assim, de uma maneira tão sincera e bela. Também eu sem os meus avós paternos não seria o mesmo. Por vezes sinto tanto a sua falta...

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