Mesmo que essa casa não tenha sequer cozinha, mesmo que tenhamos como vizinhos mais próximos os mortos, mesmo que tenhamos que nos fechar no quarto quando os familiares de algum deles, que está enterrado na nossa sala, visita o seu túmulo.
Esta é a realidade da vida das famílias que habitam alguns cemitérios do Cairo e que ficamos a conhecer um pouco no surpreendente documentário de Sérgio Tréfaut. É uma visão de quem está de fora, como a da criança e do seu avô, na cena inicial. Mas que tem o cuidado de nos apresentar a perspectiva de quem reside naquele espaço tão especial, onde as circunstâncias históricas forçaram um convívio nem sempre vivido de forma positiva, mas sempre pacífico. Afinal, como se dizia, são os vivos que devemos recear e não os mortos.
E como dizia um outro morador: "temos que aprender a tirar sabedoria do sítio onde vivemos".
Apesar de discordar do título do post, penso que o local onde moramos, pode não ser o que tem mais valor(dado que há outros valores mais elevados), mas tem um valor incalculável, apenas quantificável pelo próprio...
ResponderEliminarE nós, enquanto espectadores, temos de saber tirar sabedoria deste documentário... :)
Nada tem mais valor que a nossa liberdade... Nem mesmo a nossa casa!
ResponderEliminarClaro que existem coisas com mais valor que a nossa casa. :) Esta frase é de uma das moradoras que é entrevistada no filme e fora do contexto talvez possa ser entendida de forma um pouco diferente da que soava lá.
ResponderEliminarE o conceito de nossa casa pode ser muito vasto. Restringi-lo ao edifício que se habita é curto. E, no filme, o sentido da moradora era o de um espaço e de uma vivência que transcendia a sua residência, a enquadrava: era o do seu microcosmos.
ResponderEliminarE é curioso, porque esta proximidade, esta interpenetração entre mortos e vivos, é algo que se vem afirmando no passado remoto que estudo, onde a compartimentanção, a dicotomia que hoje nos caracteriza, muito pravelmente não existiria ou seria vivida de outra maneira.
O que surpreende e é particular no Cairo de hoje é que esta circunstância ocorre no contexto social onde a compartimentação de espaços (logo de mundos) já se havia instituído há muito, assistindo-se a uma "reaproximação" cujo motor é essencialmente de natureza socio-económica e não ideológica, com os inevitáveis desajustamentos psicológicos, que o tempo, contudo, se encarrega de ir ajustando.
Obrigada pelo comentário A.C. Faz todo o sentido esse conceito mais alargado de casa. E se é verdade que, neste caso, foram as razões económicas que levaram os vivos a aproximarem-se dos mortos, ou melhor a serem empurrados para junto deles, também transparece deste filme que a coexistência não foi difícil de alcançar. O respeito que demonstram ter, assumindo que a vida normal do cemitério está sempre em primeiro lugar, permite-lhes permanecer naquele local sem grande contestação, pelo que percebi.
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