segunda-feira, 24 de maio de 2010

Há tantos galos por aí...

Os dois galos

Dois galos se meteram em peleja
A fim de se saber qual dêles seja
O capataz de um bando de galinhas:
Unhadas e picadas tam daninhas
Levou um, que se deu por convencido,
E andava envergonhado e escondido.

O vencedor se encheu de tanta glória,
Que para fazer pública a vitória,
Pôs-de de alto, voou sôbre umas casas;
Ali cantava, ali batia as asas.

Andando nestas danças e cantares,
Veio uma águia, levou-o pelos ares;
E saíndo o que estava envergonhado,
Gozou do seu ofício descansado.

Quem contemplasse bem quão pouco dura
Neste mundo qualquer prosperidade,
Livre estava de inchar por vaidade
Com um leve sucesso de ventura.
     O que tem a alegria por segura,
É doente, e o seu mal fatuidade;
Que ela passa com muita brevidade,
E vem logo a tristeza, e muito atura.
     De mudanças o mundo está tam cheio,
Que hoje rio, àmanhã estou sentindo
Uma grande desgraça que me veio:
     Delira quem dos tristes anda rindo;
Que é absurdo gostar do mal alheio,
Quando o próprio a instantes está vindo.

                                                     Couto Guerreiro

in La Fontaine Fábulas (escolhidas) edição organizada por Matias Lima, Livraria Chardron de Lello & Irmão, Porto, p. 55

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