domingo, 25 de abril de 2010

O meu 25 de Abril de 1974



É desse dia uma das minhas primeiras memórias. Memórias nítidas, pelo menos, sem interferências exteriores de alguém que me conta o que eu fiz e como fiz. Um dia normal que deixou de o ser quando, chegada à escola, nos disseram que, naquele dia, tínhamos que voltar para casa. Foi o que fiz. Não para a minha casa, mas para a dos meus padrinhos que estavam lá sempre quando eu precisava.

E é do resto do dia que mais recordo a ansiedade com que os meus 7 anos traduziam os comunicados ouvidos na rádio. As horas que passei sentada num banco à mesa da cozinha enquanto o locutor aconselhava as pessoas a ficarem nas suas casas. A minha preocupação estava com o meu pai, militar na altura, que tinha ficado “de prevenção” e com a minha mãe que, logo pela manhã, tinha ido para Lisboa, visitar um irmão que estava no hospital. Tinha medo de que algo lhes pudesse acontecer. A morte do meu avô alguns dias antes e a sensação de perda estavam ainda muito presentes. Nessa altura não me apercebi. Soube só depois que ele gostaria de ter passado por aquele dia. Falhou-o por pouco.

Para mim nada fazia muito sentido. Percebia apenas a gravidade do que estava a acontecer. Só mais tarde soube que, ao contrário do que era aconselhado, muitos saíram à rua e fizeram desse dia um dia de festa. E só mais tarde ainda percebi porquê. Para mim foi um dia imperfeito. Para todos nós foi um dia quase perfeito.

(imagem da Postalfree)

4 comentários:

  1. Boa memória!
    Eu tinha dez anos e não me recordo de nada, excepto que fomos para casa naquela quinta-feira. Ah, e contávamos uns aos outros que havia uma polícia secreta que queimava os peitos das mulheres com pontas de cigarros: não sei, não me lembro onde fomos buscar isto...

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  2. Não é bem um depoimento, T.Mike. É mais um conjunto de memórias e sensações. :)

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  3. Eu não tenho, de todo, uma boa memória, cão sem raiva. Mas esta é uma das primeiras. Lembro-me perfeitamente das cores branca e azul com que estava pintada a mesa da cozinha.
    Quanto ao que contavam uns aos outros eram provavelmente influências de alguma série da televisão. Ou histórias ouvidas sobre métodos das polícias políticas...

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