É desse dia uma das minhas primeiras memórias. Memórias nítidas, pelo menos, sem interferências exteriores de alguém que me conta o que eu fiz e como fiz. Um dia normal que deixou de o ser quando, chegada à escola, nos disseram que, naquele dia, tínhamos que voltar para casa. Foi o que fiz. Não para a minha casa, mas para a dos meus padrinhos que estavam lá sempre quando eu precisava.
E é do resto do dia que mais recordo a ansiedade com que os meus 7 anos traduziam os comunicados ouvidos na rádio. As horas que passei sentada num banco à mesa da cozinha enquanto o locutor aconselhava as pessoas a ficarem nas suas casas. A minha preocupação estava com o meu pai, militar na altura, que tinha ficado “de prevenção” e com a minha mãe que, logo pela manhã, tinha ido para Lisboa, visitar um irmão que estava no hospital. Tinha medo de que algo lhes pudesse acontecer. A morte do meu avô alguns dias antes e a sensação de perda estavam ainda muito presentes. Nessa altura não me apercebi. Soube só depois que ele gostaria de ter passado por aquele dia. Falhou-o por pouco.
Para mim nada fazia muito sentido. Percebia apenas a gravidade do que estava a acontecer. Só mais tarde soube que, ao contrário do que era aconselhado, muitos saíram à rua e fizeram desse dia um dia de festa. E só mais tarde ainda percebi porquê. Para mim foi um dia imperfeito. Para todos nós foi um dia quase perfeito.
Analima,
ResponderEliminarQue rico depoimento!
Um abraço.
Boa memória!
ResponderEliminarEu tinha dez anos e não me recordo de nada, excepto que fomos para casa naquela quinta-feira. Ah, e contávamos uns aos outros que havia uma polícia secreta que queimava os peitos das mulheres com pontas de cigarros: não sei, não me lembro onde fomos buscar isto...
Não é bem um depoimento, T.Mike. É mais um conjunto de memórias e sensações. :)
ResponderEliminarEu não tenho, de todo, uma boa memória, cão sem raiva. Mas esta é uma das primeiras. Lembro-me perfeitamente das cores branca e azul com que estava pintada a mesa da cozinha.
ResponderEliminarQuanto ao que contavam uns aos outros eram provavelmente influências de alguma série da televisão. Ou histórias ouvidas sobre métodos das polícias políticas...