terça-feira, 23 de agosto de 2011

Saartjie

Quando fui ver o filme desconhecia este facto: o realizador é o mesmo de "O Segredo de um Cuscuz", de que eu tanto gostei. Mesmo depois de o ver acho que não chegaria a perceber que tinham sido ambos realizados pela mesma pessoa. Esta "Vénus Negra", ao contrário das personagens do "Segredo...", não tem uma vida comum. Mesmo depois da sua morte, em 1815, o seu corpo não teve descanso pois logo foi feito um molde em gesso e conjuntamente com partes dele, conservadas em formol, estiveram em exibição, até 1974, num museu em Paris. Mais recentemente, em 2002, o governo francês  devolveu os restos mortais ao seu país de origem, a África do Sul, mais por motivos políticos que por uma convicção de justiça humana. 
Uma vida, como a de Saartjie, é motivo mais que suficiente para um argumento de um filme. Mas, parece-me, o realizador alongou-se demais, prolongando cenas que se tornam penosas para nós, dada também a violência nelas presente. Mas não será isso que se pretende? 
Mostrar-nos a violência presente em todas as exibições forçadas, quer em feiras de curiosidades; quer em festas privadas para satisfazer os caprichos de nobres com posses; quer junto de cientistas sedentos de confirmações para teorias que nos lembram que a ciência deve ser sempre historicamente lida. 
E é aqui que o filme cumpre a sua função mais "pedagógica" pois se esta história pessoal já é, de si, suficiente para com ela aprendermos muito é a sua relação com o meio histórico em que aconteceu que a torna tão interessante. E a exploração de um ser humano pelas suas características físicas bem como a tentativa de as tornar na base de sistemas de poder estão ainda hoje demasiado presentes. 
Talvez se pudesse fazê-lo mais curto. É um facto. Mas as interpretações são muito boas e as ambições  do filme muito meritórias. 


4 comentários:

  1. "mais por motivos políticos que por uma convicção de justiça humana"

    Afirmação arrojada, não?
    E, por outro lado, será a "justiça humana" algo que possa ser alheado da "motivação política"?

    ResponderEliminar
  2. Arrojada talvez uma vez que não conheço o processo de forma a ter presentes todos os dados. Mas baseio-me no que senti quando vi o filme e o genérico final. A justiça humana não deveria estar alheada da motivação política mas são tantos os casos em que isso acontece... Ela teria existido se esta história não tivesse existido. E depois quando, em 1974, foram retirados da exibição pública o que restava da preparação de 1815. Só quando o presidente Nelson Mandela pediu os restos mortais estes foram entregues. Foi um gesto diplomaticamente correcto da França e uma oportunidade para o presidente sul africano contribuir para a união dos residentes no país em torno de uma figura simbólica. Há quem diga até que este filme tem também um pouco das duas coisas e explora, também ele, a figura da "Vénus Negra". Pode até ser mas não há filme baseado em histórias reais que não o faça e esta não é uma questão que nos deva preocupar perante todas as que o filme levanta.

    ResponderEliminar
  3. EStas questões das justiças muito a posteriori, como o pedido de desculpas do Papa a Galileu, são sempre mais uma questão política que de simples justiça. Porque são mais relativas ao contexto em que são executadas que ao contexto em que as coisas ocorreram. São afirmações políticas e ideológicas do presente e para o presente, utilizando casos passados que, não poucas vezes, descontextualizam ou "adornam" para reforçar objectivos.
    Ex. Parece também não ser conveniente apresentar muito mal o Afrikaner.

    ResponderEliminar