Fui finalmente ver a exposição. A não perder, mesmo.
Desde a mais antiga (1972) à mais recente (2010) todas as fotografias estão datadas e localizadas espacialmente. No entanto, podiam ter sido tiradas há muito, muito mais tempo, que seriam sempre aquelas fotografias.
Um fotojornalista que soube ver a realidade como só os grandes fotógrafos conseguem fazer. E que olha para elas também com o olhar de quem, como nós, as vê pela primeira vez.
É assim que vamos do Bairro da Mina, Amadora, em 1972, onde uma criança remexe o lixo, numa lixeira a céu aberto, até à única imagem que tem título – Desemprego - em 2010. Passamos pelo dia 25 Abril de 1974, em Lisboa e vemos imagens da Ponte Aérea Luanda-Lisboa em 1975. Em 1988, na Rua do Carmo, em Lisboa, uma mulher traz nos braços duas crianças e no rosto uma expressão de angústia difícil de esquecer. Dois anos depois, em 1990, no Rio Maputo, Moçambique, crianças brincam felizes. Em 1991, enquanto Mário Soares fazia campanha, na praia da Ilha de Faro, para a presidência, crianças acumulam-se num orfanato na Roménia. De 1997 são duas fotografias fantásticas de um trabalhador nos estaleiros do Douro e de um outro nas vindimas do Douro. Da bênção do gado em Vila Verde (2000) chega a foto do cartaz da exposição e de Timor, em 2006, uma criança agarrada às mãos de uma velha, talvez sua avó. A romaria de S. Bartolomeu do Mar, em Esposende (2009) é também um local de magníficas fotos.
Estas são só algumas das fotografias cheias de significado que podemos ver. E porque o texto que acompanha a exposição, da autoria do próprio, diz muito sobre o trabalho deste fotógrafo e sobre esta exposição em particular deixo-o aqui.
“Assistimos a uma revolução política que prometia resolver todos os problemas dos portugueses. Assistimos a uma revolução tecnológica que anunciava um dia-a-dia fácil e leve. Assistimos ao nascimento de vários países, ao fim do fascismo, ao fim do colonialismo, ao fim do comunismo. Estamos em pleno turbilhão do sistema capitalista. Assistimos a tudo isto e, no entanto, chegámos sempre aos mesmos resultados: gente que vive em drama, em miséria, na infelicidade. Parece que a tragédia nos persegue, parece que não conseguimos sair do mesmo sítio.
Às vezes olho para estas fotografias e penso que o tempo não passou: o país neo-realista dos anos 60 ainda existe, para lá das auto-estradas, para lá dos centros comerciais, para lá das periferias das cidades. Por vezes interrogo-me: será que continuamos no mesmo sítio?. Não sei por que é que não saímos daqui, desta pobreza, desta melancolia, desta lassidão que parece tolher-nos os movimentos, que nos impede de avançar.
Durante estes últimos 40 anos fiz milhões de fotografias. Penso que aprendi várias vezes a mesma profissão. Fotografei em vários formatos, com várias tecnologias, com as mais diversas influências. O resultado, numa aparente ironia patética, é sempre o mesmo: nestas fotografias, nas minhas fotografias, parece que o tempo parou. É uma situação paradoxal. Mas é também a história do meu trabalho: estas imagens, algumas delas chocantes, brutais, trágicas, são imagens que me acompanharam, que me transformaram naquilo que eu sou.
Não sou artista, sou fotojornalista profissional. Após vários trabalhos em jornais, revistas, agências noticiosas, televisão e internet, confronto-me com a situação estranha de me encontrar no mesmo sítio, no mesmo ponto de partida. Durante estes quarenta anos, no entanto, não andei em círculos. Acontece que agora, como no princípio, como sempre, o que me interessa são as pessoas: as suas dores, o seu quotidiano, também as suas alegrias, mesmo que a pobreza, o desemprego e a angústia, visível, fotografável, nunca desapareçam totalmente.
Gostava que estas fotografias, um relato de 40 anos, para além de mostrarem a repetição dos erros da sociedade que fomos construindo, nos mostrassem também um caminho para sairmos deste sítio onde estamos, afinal, parados há tanto tempo.”
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