quinta-feira, 14 de julho de 2011

"Pequenos crimes conjugais"

Há uns anos atrás vi, no Teatro Nacional D. Maria II, a peça "Pequenos crimes conjugais", da autoria de Eric-Emmanuel Schmitt. A encenação era de José Fonseca e Costa e as interpretações principais de Paulo Pires e Margarida Marinho. O texto, muito inteligente, é um misto de desencanto, tragédia e ironia. Porque o encontrei à venda, comprei-o pouco tempo depois. Hoje reli algumas páginas das quais vos deixo aqui umas linhas: 

Lisa. O destino do amor é a decadência… No início eu era a preferida mas será que continuo a sê-lo? Tu pretendes que me amas mas será que te continuo a agradar? Como eu estou aqui, a questão desapareceu e o desejo também. Tu já não desejas viver comigo porque tu vives comigo. Eu já não sou a tua fuga para a liberdade, eu sou a tua prisão, tu prendes-te a mim, tu estás resignado a suportar-me. 
Gilles. Mas eu quero continuar. Ou melhor, queria… 
Lisa. Continuar porquê? Também em relação a esse aspecto eu li o que escreveste. Homens e mulheres só permanecem juntos pelo que têm de mais sórdido, de mais vil, de mais feio neles: o interesse, a angústia que está presente na mudança, o medo de envelhecer, o medo da solidão. Eles ficam num estado de dormência, apoucam-se, abandonam a ideia de que podem fazer alguma coisa das suas vidas, apenas dão as mãos para não avançarem sozinhos para o cemitério. Tu só ficaste comigo pelas piores razões. 
Gilles. Enquanto que tu, naturalmente, só tinhas boas razões. 
Lisa. Sim. 
Gilles. Quais? 
Lisa. Tu. 
Embora emocionado pela violência com que ela admite a sua dedicação, Gilles não pode impedir a ironia: 
Gilles. Tu amas-me e por isso matas-me? 
Lisa, de cabeça baixa e os olhos no chão, murmura mais para ela que para ele: 
Lisa. Eu amo-te e isso mata-me. 
Gilles compreende que ela está a ser sincera. 

in Eric-Emmanuel Schmitt, Petits crimes conjugaux, Paris, Éditions Albin Michel, 2003, p. 96-98

(A tradução é minha) 

2 comentários:

  1. Estas contradições,
    se verbalizadas,
    perdem sempre
    a verdade
    a que
    se referem.

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  2. Mas há sempre várias verdades, Vasco! :)

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