Há uns anos atrás vi, no Teatro Nacional D. Maria II, a peça "Pequenos crimes conjugais", da autoria de Eric-Emmanuel Schmitt. A encenação era de José Fonseca e Costa e as interpretações principais de Paulo Pires e Margarida Marinho. O texto, muito inteligente, é um misto de desencanto, tragédia e ironia. Porque o encontrei à venda, comprei-o pouco tempo depois. Hoje reli algumas páginas das quais vos deixo aqui umas linhas:
Lisa. O destino do amor é a decadência… No início eu era a preferida mas será que continuo a sê-lo? Tu pretendes que me amas mas será que te continuo a agradar? Como eu estou aqui, a questão desapareceu e o desejo também. Tu já não desejas viver comigo porque tu vives comigo. Eu já não sou a tua fuga para a liberdade, eu sou a tua prisão, tu prendes-te a mim, tu estás resignado a suportar-me.
Gilles. Mas eu quero continuar. Ou melhor, queria…
Lisa. Continuar porquê? Também em relação a esse aspecto eu li o que escreveste. Homens e mulheres só permanecem juntos pelo que têm de mais sórdido, de mais vil, de mais feio neles: o interesse, a angústia que está presente na mudança, o medo de envelhecer, o medo da solidão. Eles ficam num estado de dormência, apoucam-se, abandonam a ideia de que podem fazer alguma coisa das suas vidas, apenas dão as mãos para não avançarem sozinhos para o cemitério. Tu só ficaste comigo pelas piores razões.
Gilles. Enquanto que tu, naturalmente, só tinhas boas razões.
Lisa. Sim.
Gilles. Quais?
Lisa. Tu.
Embora emocionado pela violência com que ela admite a sua dedicação, Gilles não pode impedir a ironia:
Gilles. Tu amas-me e por isso matas-me?
Lisa, de cabeça baixa e os olhos no chão, murmura mais para ela que para ele:
Lisa. Eu amo-te e isso mata-me.
Gilles compreende que ela está a ser sincera.
in Eric-Emmanuel Schmitt, Petits crimes conjugaux, Paris, Éditions Albin Michel, 2003, p. 96-98
(A tradução é minha)
Estas contradições,
ResponderEliminarse verbalizadas,
perdem sempre
a verdade
a que
se referem.
Mas há sempre várias verdades, Vasco! :)
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