Actualmente quando pensamos em património pensamos em tudo, ou quase tudo. Todas as realizações do ser humano, sejam elas materiais ou imateriais, são passíveis de serem entendidas como património. De facto, desde que socialmente seja relevante, qualquer peça de uma qualquer engrenagem, qualquer canção que se cante na hora de deitar, qualquer par de sapatos, podem entrar na mesma designação que utilizamos para falar de um monumento que chegou até nós, dando-nos a conhecer determinadas técnicas de construção ou perspectivas arquitectónicas. É, entre outras coisas, por isto que a gestão do património, sobretudo aquele que se refere a um tempo passado, é um assunto tão delicado e que envolve, necessariamente, verbas significativas. O armazenamento das obras, a sua conservação são preocupações quer de particulares, quer do Estado. Este, pela natureza do património que tem à sua guarda, nomeadamente o construído, não tem uma tarefa nada fácil. E a forma como a gestão é levada a cabo varia de época para época, de orientação política, para orientação política. No que toca, por exemplo, à conservação de edifícios os orçamentos disponíveis são sempre fundamentais. Mas as opções tomadas têm sobretudo a ver com diferentes perspectivas de intervenção que nunca deixam de ter forte impacto na forma como esses edifícios nos aparecem. A opção por uns em detrimento de outros, a intervenção mais minimalista ou mais intrusiva, a escolha dos arquitectos, nunca são indiferentes para o resultado final.
Tudo isto vem a propósito da exposição "100 anos de património, memória e identidade" que visitei há umas semanas no Palácio Nacional da Ajuda. Nela podemos dar-nos conta da forma como o poder público lidou com estas questões desde as primeiras preocupações no séc. XIX, passando pelas visões da 1.ª República, pela febre de restaurar, restaurar do Estado Novo, pelas novas perspectivas introduzidas pela "Carta de Veneza" até à forma como actualmente é entendido o património. E a verdade é que também a forma como o poder político olha o património de todos nós diz bastante sobre as suas formas globais de olhar o mundo. É isso que os documentos, nomeadamente as fotografias presentes na exposição, nos permitem perceber. O interesse da exposição ultrapassa, por isso, o conhecimento da evolução das perspectivas de intervenção ao longo dos últimos 100 anos. É que se o património a que atribuímos significado e a forma como o vivemos está ligado ao que nós somos esta exposição é um espelho onde nos podemos observar e sobretudo pensar naquilo que esse património significa hoje e no papel de todos nós na sua salvaguarda.
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