segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Quinta-feira, 13 de Outubro, ao final do dia

Saiu do supermercado com dois sacos de compras, um em cada mão. Não mais do que isso. À sua volta rodopiavam carrinhos quase cheios, empurrados por mulheres bem vestidas e com sapatos de salto alto. Dirigiam-se para os seus automóveis reluzentes e jipes que nunca viram uma estrada de terra. Algumas exibiam penteados elaborados recentemente por cabeleireiros e unhas bem tratadas. Mas o que mais a feriu foram os sorrisos, sorrisos de quem, aparentemente, não pretende vir a ser tocado pelas dificuldades. Aproximou-se do seu carro, que utiliza para transportar as crianças e pouco mais. Há já algum tempo que pensa no que fará quando ele deixar de trabalhar. Sabe que não terá possibilidades de comprar um novo. Sentou-se ao volante. Não chegou a pôr a chave na ignição. Lembrou-se do que tinha ouvido na rádio há uns minutos atrás. Encostou a cabeça ao banco e chorou. Chorou com um misto de raiva e pena de si própria. Sabia que este cenário poderia vir a tornar-se real. Mas perante o facto consumado reagiu como se lhe tivessem dado um murro no estômago. Não que pensasse que não conseguiria sobreviver nos anos mais próximos. Mas porque, até àquele momento, não tinha conseguido chegar mais longe. 

7 comentários:

  1. Eu ouvi a notícia em directo com muita serenidade, enquanto conduzia um jipe que, cada vez menos, circula fora de estrada (consideremos estrada o esburacado acesso a casa).
    Antes da aguardada comunicação, pensava na despesa que o dito automóvel me dá para me deslocar entre dois locais de trabalho (tarde e mal, o Estado paga-me a deslocação a preço de transporte público, mas, para conseguir cumprir o trabalho, preciso de me deslocar em viatura própria, pagar portagens, combústível e a manutenção de um carro com 140 mil km...)

    Sinceramente, aguardava algo do género. O nosso patrão faliu e só a "ajuda" externa impede que fiquemos todos sem salário. Há colegas meus (de trabalho) que, em vez do corte do salário, querem saber se haverá cortes no subsídio de desemprego. Cabe-nos a nós, se conseguirmos manter o posto de trabalho, continuar a trabalhar, a sorrir e, se o dinheiro chegar, a ir ao cabeleireiro de vez em quando. Temos razões para a raiva, mas não há motivo para termos pena de nós. Sabes bem que, em muitos indicadores, estamos bem acima da média dos portugueses!

    Venha de lá um sorriso ;)

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  2. Eu sei que tudo indicava que algo do género iria acontecer. Mas também sei que este esforço deveria ser melhor distribuído, sobretudo incluindo os que, pelo facto de já terem muito, foram tendo cada vez mais. E também sei que há pessoas que irão sentir a realidade dos próximos tempos de forma muito mais negativa que eu ou as pessoas com quem me dou directamente. Mas se é verdade que se diz que "com o mal dos outros posso eu bem" não é assim que eu sinto as coisas e até profissionalmente não será fácil trabalhar com a população que já actualmente está em situação difícil e que se prevê que, no futuro, não tenha sequer satisfeitos os níveis mais baixos da pirâmide de M.
    Mas, como eu costumo dizer no meu caso particular, só se a saúde faltar é que os problemas sérios farão verdadeiramente mossa.
    Por isso e porque pediste aí vai um sorriso. :)

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  3. Dias difíceis no horizonte, bem sei que andei vários anos a dizer que não poderíamos continuar a gastar o que não temos, lamento que apesar das culpas colectivas, os maiores penalizados serão os menos culpados, enquanto os principais responsáveis, se vão safando...

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  4. É verdade que, por muito que nos custe admitir, cada um à sua escala, somos todos culpados. Mas é exactamente essa diferença de escalas que deveria ser considerada na hora dos sacrifícios.

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  5. Vá lá! essas «mulheres bem vestidas e com sapatos de salto alto (...)[de] penteados elaborados (...) e unhas bem tratadas», são, na sua maioria, apenas isso, invólucros sem conteúdo. Afinal, dignas de pena, apesar de terem dinheiro para esbanjar. Não estou a dizer que não precisamos de também ter dinheiro, algum pelo menos, para ter a vida que deveriamos merecer, apenas que há outras coisas por que vale a pena estar cá: os filhos, os amigos, o sol e a chuva, o frio (e um bocadinho de calor, pode ser?), as flores, o cinema, o rir e o chorar, claro, mesmo o trabalho (LOL), ajudar os outros, ajudar a salvar património humano e património natural e cultural, etc. Tanta coisa, hem?

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  6. Estás muito optimista hoje! :) Mas sim, tens alguma razão. Vamos vivendo tentando tirar o máximo partido do que temos disponível. E até no trabalho a verdade é que não vejo ninguém a trabalhar menos por saber que vamos ganhar menos...

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