sexta-feira, 10 de junho de 2011

O escriturário, a criança, o mendigo, o palestrante, o homem/mulher e o revoltado

Quando, aos 14 anos, ouviu falar dele, Carlos Paulo procurou-o no "Martinho da Arcada". Foi um empregado que lhe explicou que ele tinha já morrido há muitos anos. Mas se a ele já não o encontrou, a procura nos alfarrabistas permitiu-lhe tomar contacto com alguns poetas que afinal eram um só homem de carne e osso. Naquela altura, na escola, só se falava da "Mensagem" mas uma professora tinha-o despertado para outros poetas, como Álvaro de Campos ou Ricardo Reis. E a partir do momento em que tomou contacto com Bernardo Soares nunca mais o seu livro, o do desassossego, deixou de fazer parte da sua vida.
Quando eu fiz o ensino secundário, Pessoa era já um autor que fazia parte do programa. Cada vez que líamos um novo poema dos seus heterónimos ficávamos com uma sensação de quem tinha acabado de crescer mais um bocadinho. E eu acho que era isso mesmo que acontecia. O "Livro do Desassossego" veio mais tarde. A dificuldade em ler um livro que não é um livro só aguça mais a nossa vontade de o ler mais e mais.
E agora quando, como sempre, o desassossego toma conta das nossas vidas, veio a peça de teatro. Estreada em 2001, e depois de muito percorrer o país, está novamente na Comuna, onde finalmente a vi. Carlos Paulo é intensamente cada uma das personagens. Ou serão elas que ali estão tal a cumplicidade que conseguimos sentir.
Mesmo sendo dois actores em palco ele está sozinho, como Bernardo Soares está sozinho ou como Fernando Pessoa está sozinho. E é sós que estão também as personagens interpretadas.
E nós, como ficamos nós no final da peça? Desassossegados será um lugar comum. Será. Mas é o próprio actor que o diz: "A minha esperança é que, no final de cada noite, alguém saia daqui diferente do que quando entrou; alguém saia daqui desassossegado para sempre..." E a verdade é que é através das reflexões daquelas personagens que percebemos que ainda não parámos de crescer, aos bocadinhos.

2 comentários:

  1. Ando a adiar, mas tenho de ir ver essa peça...

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  2. Vale a pena. É um trabalho muito intenso de quase apenas um actor. Mas diz ele que "sabia, desde o primeiro momento, que aquelas palavras viriam a ser minhas, e que tudo iria passar por partilhá-las com o público". É por isso um trabalho muito próprio, feito com uma entrega fantástica. E isso sente-se.

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