Apesar da quase unanimidade em relação a esta obra eu ainda não percebi se gosto ou não dela. Ou melhor, gosto no que diz respeito às questões mais visuais, das cores e dos padrões. Mas a atitude dos protagonistas sempre me deixou dúvidas.
Não consigo afastar-me da sensação de que é uma perspectiva muito masculina em que o homem controla subjugando, de alguma forma, a mulher (ele segura a sua cabeça não lhe deixando quase liberdade de movimentos) enquanto, não mostrando o rosto, se está a furtar ao nosso olhar e à possível exposição que isso lhe traria. A indefinição das suas formas, por contraste com as da mulher, mais contidas, sugere-me que, a concretizar o que deseja, a conseguirá dissolver no seu eu, dominando-a por completo.
Quanto à mulher, o facto de estar ajoelhada lembra submissão e o seu rosto revela resignação ou medo. Também a situação, à beira de um eventual precipício, em que é a mulher que está do lado de fora, pode indicar, até, um beijo de despedida antes do empurrão fatal. As mãos dela não me parecem muito decididas, oscilando entre a vontade de o afastar e a certeza de não o conseguir. Definitivamente parece-me que não está ali mas em algum outro lugar para o que contribuem os olhos que se fecham (para não o ver ou para o ver melhor?).
Esta é a minha leitura de O Beijo. A maioria dos que conhecem este quadro (e são muitos, muitos mesmo) fazem uma interpretação menos crua e consideram-no uma representação por excelência de uma relação amorosa feita de paixão sem restrições em que a confiança e a entrega são tais que o facto de estarem à beira de um abismo só contribui para aumentar a união entre o homem e a mulher. É uma outra leitura, também possível. Mas eu não poria em qualquer lugar de destaque uma reprodução desta obra.
Concordo consigo e acrescento a possibilidade de a mulher tentar libertar-se dele, a fim de se atirar ela própria pelo precipício. Ela não tem decididamente uma expressão muito feliz.
ResponderEliminarPergunto-me qual seria a verdadeira intenção do/a autor/a. Seria também interessante saber a data em que o quadro foi pintado. Sabe?
Excelente leitura, Ana. Mas eu sou ainda mais radical: para além da originalidade de Klimt, que é inegável, não adoro as suas pinturas (ao contrário de quase todo o mundo). Talvez porque não gosto muito da estética da chamada Arte Nova, ou talvez porque os quadros de Klimt me parecem sempre mais "pintura decorativa" do que "arte" propriamente dita. Enfim, talvez esteja a ser injusta.
ResponderEliminarOlá, Kássia. Não é fácil saber a verdadeira intenção de Klimt quando pintou este quadro. Fê-lo em 1907/08, no auge do que se designa o seu período dourado. Supostamente as personagens são ele próprio e Emilie, sua amante e musa inspiradora.
ResponderEliminarObrigada pelo comentário, Ana. Bem, de facto, grande parte do trabalho de Klimt está ligado à decoração tendo, inclusivamente, recebido alguns prémios a esse propósito. Mas eu gosto da estética Arte Nova e gosto de muitas das coisas que já vi de Klimt (infelizmente só reproduções). Continuo, no entanto, a preferir o seu discípulo, Egon Schiele.
ResponderEliminaré uma pose estranha, entre aspas (o que é que é estranho em arte?). Mas se imaginarmos a mulher - Emilie - de pé, ela seria muito mais alta que o homem - o pintor. Klimt não estava numa posição favorável ao seu ego autoretratando-se com uma estatura inferior a sua amante.
ResponderEliminarNos tempos que correm, temos casos também dignos de serem analisados a luz da lupa de Freud, como por exemplo, assim de repente, o de Tom Cruise e Sarkozy e respectivas mulheres...
É uma perspectiva na qual não tinha pensado, Paulo. Mas faz sentido e hoje em dia, como dizes, continua a colocar-se a questão. :)
ResponderEliminarEspelhos...
ResponderEliminarMuito interessante esta tua análise. Fico sempre entusiasmado com as diferentes leituras que a sensibilidade e/ou o conhecimento de cada um podem dar a uma obra de arte. Eu nunca vi nesta obra de Klimt um beijo à beira de um abismo, por exemplo. Sou mais terra a terra, sempre vi apenas um tapete de relva e flores, um prado florido aos pés de um casal. Não sei se se amam, porque na verdade também sempre senti a possibilidade de existir alguma repulsa no "receber" aquele beijo por parte da mulher. Só sei que graças a este teu exercício, nunca mais vou olhar para esta pintura com os mesmos olhos. Obrigado.
ResponderEliminarÉ isso mesmo António. O fascínio da arte é esse: a multiplicidade de leituras, quase tantas como o número de pessoas que com ela entram em contacto. Esta é só mais uma... :)
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