segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

As cidades de todos?

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A propósito de sem-abrigo lembrei-me de uma conversa com um formando de um curso em que fui formadora que defendia que estas pessoas deveriam ser retiradas dos centros das cidades onde incomodam os que aí circulam. Os argumentos dos que entendem a segregação espacial como solução para determinados aspectos da vida nas cidades têm-se vindo a espalhar à medida que aumenta o medo do outro, do que é diferente de nós.

E se a segregação sempre fez parte da forma como se gere a cidade - D. Afonso Henriques, por exemplo, expulsa os mouros para a pior zona da Lisboa de então, a encosta norte da colina do Castelo, obrigando-os a um recolher obrigatório e ao uso de roupas específicas - por motivos políticos ou outros, ela já não é hoje uma medida que faça parte do "cardápio" dos poderes públicos. No entanto, quer se faça voluntariamente (a criação de condomínios fechados, impulsionada pelo medo da violência e pela busca de segurança; os grupos étnicos que muitas vezes escolhem habitar em áreas racialmente homogéneas), quer involuntariamente, num processo em que os grupos acabam por se distribuir espacialmente e desigualmente por rendimento ou nível de instrução, acentuando desigualdades nas condições de habitação e de acesso bens e serviços; ela é um dado a ter em conta.

Os próprios poderes públicos podem reforçar a segregação dando prioridade a investimentos nas áreas ocupadas pela população de mais altos rendimentos, negligenciando ou simplesmente ignorando as áreas ocupadas pelos mais pobres. E, ao contrário, podem promover a qualificação das áreas mais carentes, através de investimentos em habitação e infraestruturas, transportes, segurança, educação, saúde, lazer e cultura atenuando a segregação espacial.

O tratamento espacial da marginalidade, entendendo-a como o estado de grupos sociais, numericamente e culturalmente minoritários, cujo comportamento se afasta das normas dominantes, provocando a "invisibilização" do fenómeno através da segregação, só de forma aparente poderá dar uma sensação de maior segurança.

E na realidade os sem-abrigo ou outros grupos "marginais" fazem parte da cidade, constituem aquilo que faz dela o que é. E se o nosso desejo de melhorar a nossa relação com ela faz todo o sentido não o podemos fazer à custa da expulsão de quem, sendo diferente, vive a cidade de uma forma que pode ser errada aos nossos olhos mas que é mais uma, contribuindo para a multiplicidade das vivências, típica do meio urbano.

2 comentários:

  1. É um assunto que me deixa muito angustiado, até porque fiz parte da conversa referida. A cidade é exactamente isso, o local de todas as diferenças, de todas as possibilidades. E quando as populações mais carenciadas a viver em áreas históricas, apetecíveis do ponto de vista turístico, são um entrave a um suposto desenvolvimento urbano oficial que previlegia os interesses económicos de alguns, potenciando e acentuando essa segregação social? Ser velho já não é bom, eu que para lá caminho que o diga, mas o que dizer quando se é velho e pobre? Há que os varrer, não para debaixo do tapete, mas para bem longe, sobretudo longe dos olhares dos turistas, exactamente porque não convém mostrar a nossa incapacidade de atenuar o profundo fosso social existente.

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  2. É óbvio que existe um trabalho interessante de muitos técnicos, nomeadamente com sem-abrigo, que visam atenuara esse fosso de que falas. Mas é sobretudo a tendência para esconder aquilo de que não se gosta que me preocupa pois acentua o nosso desconhecimento e esquecimento da realidade ao mesmo tempo que, e por isso mesmo, aprofunda os problemas. Os centros das cidades, pela visibilidade que têm a uma escala não só local mas até internacional, são das áreas mais estudadas e alvo de intenções. Mas tu sabes como isso é tão complexo. Claro que é importante tratar os centros históricos como um local onde a imagem da cidade e mesmo do país está em causa mas há tantas áreas de trabalho onde se pode intervir que o esforço deve ser concentrado na resolução dos problemas e não no seu afastamento.

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