Há tal soturnidade, há tal melancolia,...
Penso muitas vezes nestes versos do início de "O Sentimento dum Ocidental" quando, ao entardecer, ando nas ruas da localidade onde moro. Numa altura do dia em que tanta gente regressa a casa é estranho ver as ruas vazias. As pessoas estão lá, mas dentro dos automóveis, fechadas naquele que é o maior consumidor de espaço pessoal e público que o homem jamais inventou. Ele devora os espaços que poderiam servir para contactos e encontros. Não só as pessoas já não têm vontade de andar a pé como aquelas que efectivamente o desejam, ou não arranjam facilmente sítio onde o fazer, por os espaços estarem ocupados com carros estacionados; ou porque as ruas desertas as desencorajam.
Quando andamos a pé aprendemos a conhecer-nos entre nós quanto mais não seja de vista. O automóvel tem o efeito contrário sobre as relações humanas pois afasta os seus ocupantes do mundo exterior. Além disso esbate também a sensação do movimento no espaço, confundindo os pormenores do ambiente circundante imediato, pela velocidade. O automóvel, portanto, isola o homem do seu ambiente, bem como o afasta de contactos sociais. Permite apenas os tipos de relações mais elementares que põem muitas vezes em jogo a competição, a agressividade e os instintos de destruição.
Vários estudos demonstram que, actualmente, uma grande parte dos jovens não sabe andar a pé nas cidades. Pura e simplesmente porque não o fizeram desde pequenos. Em crianças era o carro dos pais que os transportava, mais tarde o seu. E entretanto ganharam medo pois falta-lhes a segurança de quem descobre alguns caminhos por si próprio. Os trajectos são muito mais reduzidos. São feitos de sentidos obrigatórios. E só esses são os conhecidos. As crianças, em grupos, já não vão da escola para casa, da casa para a escola. São as carrinhas dos "ATL's" ou os carros dos pais que as vão buscar, adensando o círculo vicioso que liga passeios quase desertos ao medo de andar a pé.
A harmonização da escala humana e da escala do automóvel coloca um problema a ter em conta pelos que intervêm na cidade mas o usufruto dos espaços públicos por todos nós não deve ser restringido apenas aos que estão definidos como áreas de lazer pois as ruas também fazem parte da cidade e circular nelas deve ser um prazer.