segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Representar a vida e vivê-la

Pilar, Pilar, Pilar... O nome é repetido vezes sem conta, em discurso directo ou nos sonhos, como se o tempo fosse pouco para José a chamar. E ela está lá sempre, nos momentos de euforia e nos de tristeza, secundando as suas opiniões ou discordando delas abertamente, acompanhando-o nas suas inúmeras viagens, ouvindo as declarações de amor que ele faz em público sem qualquer constrangimento.
Ao longo dos anos fui ouvindo várias pessoas dizerem que gostavam de ler Saramago mas não gostavam da sua postura enquanto cidadão. Ao sair do filme duas senhoras diziam isso exactamente mas acrescentavam que, depois de o verem, ficaram com uma outra ideia de Saramago, homem. Aos seus olhos ele foi "reabilitado". Não conseguimos perceber se isso é intencional para o realizador, para o próprio Saramago ou para os dois. Certo é que se sente o escritor enquanto alguém que representa. É até estranho porque percebemos que a câmara nunca é esquecida. Tal como em qualquer documentário ela é uma presença que se sente.
E no entanto Saramago, que nos parece plenamente consciente de que está ali enquanto actor, representa a sua vida vivendo-a, sendo ele próprio, apercebendo-se da precariedade da vida e do aproximar do fim.
É um belo filme este. Pouco nos importa que possa ser um documentário. Pouco nos importa que tenha sido rodado maioritariamente em Espanha e o significado que isso possa ter. Miguel Gonçalves Mendes mostra-nos um homem. Que, não por acaso, era português e escreveu livros belíssimos.

4 comentários:

  1. Senti ao ver este belíssimo documentário, que
    era acima de tudo uma história de amor.
    Comovi-me,e confesso que gostei mesmo muito.
    Um filme que também aconselho e que estará
    quase a saír de cartaz é "Dos homens e dos
    deuses". Foram estes dois filmes,um consolo
    para a alma,e os melhores que vi ultimamente.
    M.Júlia

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  2. O filme francês ainda não vi, M. Júlia. Mas não é a primeira pessoa que conheço a dizer que gostou muito. Quanto ao "José e Pilar" é comovente, sem dúvida, mas é também, entre outras coisas, muito bem humorado.

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  3. Às vezes nada melhor do que não estar motivado para ver um filme para ter uma boa surpresa, Daniel. :)

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