sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Esgotado

Recomeçar... outra vez

Recomeça…

Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
Sempre a sonhar e vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga, Diário XIII

Aproveitem porque já quase não há

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Preto no branco

A cor branca é a predominante na loja. As prateleiras colocadas nas paredes são brancas e a maior parte dos artigos é de loiça branca, aqui e ali pintada com cores garridas. A cor está presente também nas flores artificiais colocadas desajeitadamente em jarras que mantêm o mesmo desenho desde que a loja abriu, certamente há muitos, muitos anos, provavelmente os mesmos que têm os bibelots que quase já ninguém compra mas que os donos da loja insistem em expor em grande quantidade.
Até há pouco tempo era o casal que recebia os clientes. Ela fazia as honras da conversa e ele, em silêncio, ia buscar os artigos. Limitava-se a sorrir.
Hoje não sorria. Estava sentado atrás do balcão com os olhos postos no chão. Mas era nele que recaía o nosso olhar. No mar branco da loja ele era um náufrago todo vestido de preto.

O que resta do Natal

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Uma guitarra portuguesa

Ricardo Rocha já foi distinguido com vários prémios, entre os quais o Prémio Carlos Paredes. Percebe-se bem porquê. Este tema é do seu primeiro disco que já tem 7 anos.

domingo, 26 de dezembro de 2010

É caso para dizer: uma desgraça nunca vem só...

Tal como no ano passado também há umas semanas atrás comprei "O Verdadeiro Almanaque Borda D'Água", edição para 2011. E depois de uma passagem rápida pelas páginas interiores, recheadas de informações, ligadas aos ciclos da natureza e religiosos, eis que o texto da contracapa se destaca, pelo título, "Juízo do Ano" e pelo seu conteúdo quase apocalíptico. Num ano de 2011 dominado pelo planeta Saturno, ficamos a saber que "Saturno traz destruição, fome, carestia, inquietação, miséria, angústia e tristeza; tem domínio sobre os velhos, os caducos e solitários, os tristes e melancólicos."...
"... No reino animal, as ovelhas serão atingidas pela elevada mortandade.
Nas pessoas as desuniões reinarão e os divórcios proliferarão; na saúde podem-se esperar febres e epidemias não só em Portugal mas um pouco por todo o mundo."
E nem o aspecto físico será uma excepção neste 2011 aziago: "Os que nascem neste ano de 2011 terão o rosto grande e feio; os olhos serão inclinados para a terra e assimétricos sendo o nariz grande e largo, os lábios grossos, as sobrancelhas juntas, a pele escura, os cabelos negros e ásperos e os dentes encavalitados e desproporcionados. As mulheres terão peitos volumosos em corpos magros e esqueléticos."

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Dúvidas pré presidenciais

Quem são José Manuel Coelho, Luís Botelho Ribeiro e Amândio Madaleno?
E o que os levará a recolherem assinaturas para se candidatarem ao cargo de Presidente da República?  
E como é que José Pinto-Coelho obtém as assinaturas necessárias para o fazer?
E o seu slogan será "O candidato de alguns portugueses"?
E a candidatura de Manuel João Vieira, é menos séria que outras?

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Música para a época

Confesso que muitos dos nomes da lista não me dizem nada. Mas o de Legendary Tigerman parece ficar ali muito bem. E atenção aos concertos.

Em tempo de crise

Neste Natal o apelo a desfazer-se dos objectos de que já não precisa não passa apenas pela dádiva e pela solidariedade. 

                                                      Cartaz de empresa de compra e venda de objectos em segunda mão.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Representar a vida e vivê-la

Pilar, Pilar, Pilar... O nome é repetido vezes sem conta, em discurso directo ou nos sonhos, como se o tempo fosse pouco para José a chamar. E ela está lá sempre, nos momentos de euforia e nos de tristeza, secundando as suas opiniões ou discordando delas abertamente, acompanhando-o nas suas inúmeras viagens, ouvindo as declarações de amor que ele faz em público sem qualquer constrangimento.
Ao longo dos anos fui ouvindo várias pessoas dizerem que gostavam de ler Saramago mas não gostavam da sua postura enquanto cidadão. Ao sair do filme duas senhoras diziam isso exactamente mas acrescentavam que, depois de o verem, ficaram com uma outra ideia de Saramago, homem. Aos seus olhos ele foi "reabilitado". Não conseguimos perceber se isso é intencional para o realizador, para o próprio Saramago ou para os dois. Certo é que se sente o escritor enquanto alguém que representa. É até estranho porque percebemos que a câmara nunca é esquecida. Tal como em qualquer documentário ela é uma presença que se sente.
E no entanto Saramago, que nos parece plenamente consciente de que está ali enquanto actor, representa a sua vida vivendo-a, sendo ele próprio, apercebendo-se da precariedade da vida e do aproximar do fim.
É um belo filme este. Pouco nos importa que possa ser um documentário. Pouco nos importa que tenha sido rodado maioritariamente em Espanha e o significado que isso possa ter. Miguel Gonçalves Mendes mostra-nos um homem. Que, não por acaso, era português e escreveu livros belíssimos.

sábado, 18 de dezembro de 2010

O "comunista"

Hoje cruzei-me com ele. Mais velho, mas a mesma figura de sempre. Baixo, com a barriga proeminente, com a roupa que me parece ter usado sempre. E a boina basca que usou toda a sua vida e que só levantava ligeiramente para limpar o suor que lhe escorria da testa enquanto trabalhava. Era canalizador e, numa altura em que os problemas com as canalizações eram frequentes, lá andava ele, de vez em quando, muitas vezes à noite, a fazer biscates pelas casas das redondezas. Ele morava numa rua ali perto e todos os dias o via vir do trabalho. Gostava de o ver passar. Caminhava devagar como se não tivesse pressa, com a sua mala preta que o acompanhava sempre. Já só o via regressar pois quando saía de manhã era certamente muito cedo.
Depois de 74 encontrava-o à porta do mercado, ou da Academia Recreativa, a distribuir panfletos. Antes de Abril desse ano só a sua imagem misteriosa, sempre sozinho, sempre calado, aguçava a minha imaginação de criança. Porque todos os vizinhos diziam, uns com desdém, outros com admiração, que ele era comunista. E ele, com a sua postura muito discreta, não precisava de o negar ou confirmar. Limitava-se a passar com a sua mala e a sua boina. Foi o "meu primeiro comunista".

Uns "Yes, we can" à portuguesa

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A morte acontece

Depois da realização de um trabalho me ter levado todas as forças que tinha regresso aos dias imperfeitos. E foi quando estava há pouco a tomar um café que vi Carlos Pinto Coelho numa televisão afastada. Fixei o olhar pela estranheza de o ver no ecrã. Há já tanto tempo que não o via. Pensei que se tratasse de um directo em que ele, por alguma razão, comentava algo que aconteceu. Mas as suas imagens em diversas situações sucederam-se o que me levou a compreender que se trataria de outra coisa. Outra coisa que confirmei agora aqui, pela net. Recordo-me dele sobretudo no "Fim de semana", com o Mário Zambujal e claro no "Acontece". Mas a realidade é que, qualquer que fosse o tema, mais próximo ou mais afastado dos seus interesses, era sempre tratado com a mesma paixão; quem quer que fosse o entrevistado as entoações na voz davam conta da importância que lhe era conferida. Era um jornalista de mão-cheia. E de coração cheio.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A noiva careca

Chovia. Chovia muito. Numa imobilidade total em frente à montra deixava que os seus cabelos, compridos e desgrenhados, absorvessem essa chuva que caía, sem aproveitar o pequeno toldo que lhe poderia servir de abrigo. Mas não é exactamente no grupo dos sem-abrigo que o costumam colocar? A rua era escura e a luz da loja, apesar de muito branca, iluminava pouco o exterior. Era como se toda a luminosidade se concentrasse lá dentro, onde os manequins femininos exibiam vestidos de noiva, também eles brancos e cheios de brilhos. O seu olhar pousava num desses vestidos ou num desses manequins que o proprietário da loja entendeu deixar sem cabeleira. Seria isso que o deixava tão absorto? Ou seria antes alguma recordação de um passado menos sombrio, menos cheio daquela solidão que o tinha levado até ali?

Uma das razões/poemas porque gosto de Ana Salomé

Lume


Comecei a fumar para te pedir lume.
Tens lume? Perguntei-te.
Sim. Disseste. Levaste a mão ao bolso.
Engatilhaste o zippo. Todo prateado.
Abeiraste-te e fizeste concha com a mão direita.
Eras canhoto, como o coração.
Agora. Disseste.
E levei o cigarro até à chama.
Já está. E sorriste.
Importas-te que te acompanhe? Perguntaste.
Não, claro que não. Claro que não.
Está frio. Disseste. E esfregaste as mãos.
O cigarro sempre aquece.
Sim. Tossi.
Estás bem? Perguntaste.
Estou muito bem.
Óptimo. Disseste. E sorriste.
Aquele café além é acolhedor. Não tomas nada?
Um chá fazia bem à tosse. Perguntaste. E disseste.
Sim, um chá calhava bem. Estava mesmo a apetecer-me.
Parece que adivinhei. Disseste. E aí sorri eu.
Tomámos chá e de imediato fizemos planos de vida
Que correram mal, imediatamente mal.

Comecei a fumar para te pedir lume.
Para passar o frio.
Descobri que não viria a morrer
Nem de cancro pulmonar, nem de amor,
mas da própria morte, mal o lume se apagou
e o café fechou as portas. Para sempre.


in Resumo - a poesia em 2009, Assírio & Alvim/FNAC, Lisboa, 2010, p. 24

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A Lua e um queijo

O Lôbo e a Raposa

Raposa esfomeada
(Pois que para roer nem tinha um osso!)
Viu no fundo de um pôço
A lua retratada.
A orbicular figura um queijo crê
E pula de contente!
Água dois baldes alternadamente
Dêsse pôço tiravam. No que vê
Suspenso pelo pêso do segundo
Do pôço desce ao fundo;
Mas - coitada! -
Viu que fôra lograda e bem lograda!
«Em maus lencóis, dizia, eu vou achar-me!...
A menos de que alguém, como eu, com fome,
Por queijo a lua tome
E fazendo o que eu fiz, venha salvar-me.»
Nisto, com sêde, um lôbo se aproxima
E quere beber no pôço. Ao vê-lo em cima,
Diz-lhe a raposa muito amávelmente:
«Desça, desça , compadre!... vou presente
Fazer-lhe dêste queijo - convencida
De que outro assim não vê neste arrabalde»
O lôbo desce pronto, e na descida
Faz subir a raposa no outro balde.
Que motivo de riso isto não seja;
Dá-se o mesmo connosco exactamente:
Qualquer de nós crê sempre facilmente
Tudo o que teme e tudo o  que deseja.

                                                                 Luís de Macedo


in La Fontaine Fábulas (escolhidas) edição organizada por Matias Lima, Livraria Chardron de Lello & Irmão, Porto, p. 154                                                                                                                                                                                                          

Radicalismo

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Pintar o que poderia ter sido


Imagem aqui

Não são quartos reais os pintados por Nikias Skapinakis. Nem os ateliers ou os recantos. Não é como se uma qualquer revista nos mostrasse fotografias das casas dos "famosos". Os famosos, presentes nestes quadros, mesmo não estando visíveis, são dos que não precisariam de nos mostrar a sua intimidade para os admirarmos. Todos os pintores e escritores, mesmo os que, pela sua obra, estão perto da transcendência, têm um quarto e uma cama. O desta imagem poderia ter pertencido a Amadeo de Souza-Cardoso. A série "Quartos Imaginários" faz-nos ficar mais perto de todos eles. Mesmo que só na imaginação do nosso quarto.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Séries, séries e mais séries

Actualmente a minha dificuldade, em termos de tempo, para ver televisão faz com que não acompanhe nenhuma série. Mas já houve tempos em que não perdia nenhum episódio de algumas séries, umas com mais, outras com menos qualidade. Em relação a todas elas, quem queira tirar as teimas pode ir ao "MyTVShows", um site criado pelo português Ivo Gomes, que é um sucesso internacional e onde se pode gerir o que já se viu, o que se anda a ver e o que gostaríamos de ver futuramente. A busca é muito simples e pode ser muito divertida. Experimentem!

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

"questo inverno di foglie"

"Nelson" ainda não está à venda por cá. Mas já se pode ouvir todo por exemplo no iTunes. E apesar de ainda faltar algum tempo o concerto em Lisboa de Paolo Conte já está marcado. (Obrigada Joana, pela chamada de atenção). A ver as novidades todas aqui.

E para deixar um exemplo do que perdem se não ouvirem:



Com direito a poema e tudo...

 Tra Le Tue Braccia

Scuserai
questo inverno di foglie
e i pensieri che
vanno scalzi per lontane vie...
via da te... via da me...
È un privilegio stare con te,
dolce persona vicina a me
Sentirai tra le dita
il respiro e la voce mia
che ti invita al mare,
o quel che sia...
sentirai, sentirai....
È un privilegio stare con te,
tutto è distante
niente lo è...
È un sortilegio
vivere in te
dolce persona vicina a me....

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

1640 - Portugal e Catalunha
















"A Catalunha é como Portugal mas sem os Restauradores". Esta frase foi proferida há poucos anos atrás pelo vice-presidente do Governo Autónomo da Catalunha, Josep-Lluís Carod Rovira. Não é por acaso que o ditado popular "De Espanha, nem bom vento, nem bom casamento" é comum ao nosso país e àquela região autónoma. Nem foi por acaso que a primeira conversa que tive em Barcelona, quando lá estive pela primeira vez, foi com um senhor já idoso, no metro, que mal soube que éramos portugueses, nos quis ajudar, dando-nos indicações, após ter manifestado a admiração que tinha pelos portugueses por terem conseguido, faz hoje 370 anos, tornar-se independentes de Espanha.
Muitos catalães têm, por outro lado, ainda hoje, a noção de que Portugal teria quase uma obrigação de apoiar as ideias independentistas da Catalunha pois só o facto de o rei espanhol se ter visto obrigado a desviar tropas para fazer face às revoltas naquela região teria permitido acabar com o domínio filipino em Portugal.
De uma forma bastante simplista, se a opção não tivesse sido a repressão das sublevações catalãs e da Biscaia, no que o reino espanhol foi apoiado pela França, hoje Portugal seria uma região espanhola e a Catalunha um estado independente. O exercício é puramente especulativo mas não deixa de ser interessante pensar como estaríamos hoje em dia.

Men in red

Já tínhamos esta noção para a associação entre esta cor e a atractividade nas mulheres. Agora chegam as provas científicas para o caso dos homens. Não foi certamente por esta razão que a cor do equipamento de grandes clubes desportivos foi escolhida. Mas é um dado a reter, por exemplo, na próxima campanha para as presidenciais.