Reconquista
Do meu bisavô, ferreiro e construtor
de pontes, conheci apenas as iniciais,
gravadas na pedra com que tomara
o último dos elementos. Mas a sul
do passado, o meu avô repetia-lhe
ainda os gestos, ensinando-me a travar
as marés com pequenos diques improvisados -
paus de gelado, seixos, pedacinhos de cordel.
Nunca mais o futuro voltou a ter pé
como nessa Praia do Amanhã, tão literal,
tão só para mim. Aprendi a bordar
iniciais, às vezes na própria pele,
a construir diques cada vez mais frágeis
de palavras, pontes entre o meu corpo
e a margem dos outros.
De pouco vale: geração em geração,
ano a ano, vamos perdendo a luta
contra o avanço das águas.
in Inês Dias, In Situ, Língua Morta, 2012, p. 14
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