terça-feira, 15 de março de 2011

A alegoria de um país doente

Os médicos

Certo médico chamado,
D'alcunha, o Tanto-melhor,
Foi visitar um doente,
Do qual o Tanto-pior
Era médico assistente.

O último, sempre funesto,
Que o doente morreria
Altamente sustentava,
E o Tanto-melhor dizia
Que o pobre enfêrmo escapava.

Houve sôbre o curativo
Mui grande contestação;
Um aplicava calmantes,
O outro armava uma questão
Em favor dos irritantes.

No fim de tantos debates
O enfêrmo a vida perdeu,
E o Tanto-pior clamou:
«Vejam qual de nós venceu!
Se o meu cálculo falhou.»

Tornou-lhe o Tanto-melhor,
Mostrando um vivo pezar
«Pois eu, sempre afirmarei
Que morreu por não tomar
Os remédios que indiquei.»

Enquanto a mim, se os tomasse
Morrer havia igualmente;
Mas é desgraça maior
Cair um pobre doente
Nas mãos dum Tanto-pior.

                                  Curvo Semedo

in La Fontaine Fábulas (escolhidas) edição organizada por Matias Lima, Livraria Chardron de Lello & Irmão, Porto, p. 105                                                                                             

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