sábado, 13 de junho de 2015

Desse livro inesgotável

Devaneio entre Cascais e Lisboa. Fui pagar a Cascais uma contribuição do patrão Vasques, de uma casa que tem no Estoril. 
Gozei antecipadamente o prazer de ir, uma hora para lá, uma hora para cá, vendo os aspectos sempre vários do grande rio e da sua foz atlântica. Na verdade, ao ir, perdi-me em meditações abstractas, vendo sem ver as paisagens aquáticas que me alegrava ir ver, e, ao voltar, perdi-me na fixação destas sensações. Não seria capaz de descrever o mais pequeno pormenor da viagem, o mais pequeno trecho de visível. Lucrei estas páginas, por olvido e contradição. Não sei se isso é melhor ou pior do que o contrário, que também não sei o que é.

O comboio abranda, é o Cais do Sodré. Cheguei a Lisboa, mas não a uma conclusão.


in Fernando Pessoa,  Livro do Desassossego, Edição Teresa Sobral Cunha, Lisboa, Relógio D'Água Editores, 2008, p. 458

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Confusão histórico-geográfica

E para aproveitar esta noite em que o sono ainda não chegou, relembro que hoje foi o dia em que a RTP, no seu Jornal da Tarde (logo no início da segunda parte), noticiou a inauguração de "dois monumentos" que o incêndio no Chiado em 1988 destruiu: os Terraços do Carmo e o Elevador de Santa Luzia. Segundo explicaram a "recuperação" permite que sejam "devolvidos aos lisboetas dois espaços há muito perdidos" nestes que são "projectos -chave para a requalificação da baixa lisboeta".
Ora se é verdade que as jornalistas, tanto a que estava no estúdio como a que estava no local, não têm idade suficiente para se lembrarem do incêndio ocorrido há 27 anos, a sua profissão deveria obrigá-las a informarem-se antes de cumprirem a sua função que é informar.
Para lá de algumas coisas, pelo meio da peça jornalística, que se podem considerar correctas, as asneiras ditas com convicção foram mais que muitas: chamar monumentos a um espaço ajardinado desenhado agora e a um elevador projectado recentemente não faz qualquer sentido. Dizer que o incêndio destruiu coisas que não existiam faz ainda menos. Confundir Alfama (onde se encontra o edifício onde foi construído o elevador) com o Chiado é um disparate. E dizer que o incêndio do Chiado destruiu ambos é uma enormidade. A tragédia que ocorreu naquele dia de Agosto de 1988 teve consequências terríveis para a cidade. Mas a zona afectada, felizmente, esteve longe de chegar ao bairro que tem no topo os miradouros das Portas do Sol e de Santa Luzia...

...though we started early we got here real late...



quarta-feira, 10 de junho de 2015

O feriado de Camões

- Não há direito! Andamos tanto tempo a falar de Camões durante o ano e depois o feriado calha logo na semana em que não temos aulas...

M., 15 anos

terça-feira, 2 de junho de 2015

Um registo de há 40 anos

A data era 2 de Junho de 1975. Ali estava eu, de dedo na boca, na fotografia da primeira página de um jornal diário de grande tiragem. No dia anterior, ainda Primavera, mas já perto daquele Verão que haveria de ficar conhecido como quente, a festa tinha acontecido no Parque de Jogos 1.º de Maio. Os meus pais, sempre avessos a grandes ajuntamentos, não sei bem porquê, tinham decidido que me levariam até lá para comemorar o dia mundial da criança. Nunca eu tinha estado num sítio assim, com tanta gente e com tanta animação. Tinha um vestido branco com joaninhas vermelhas e uma fita na cabeça. As outras crianças que por ali andavam misturavam-se com os muitos pais, adultos que aproveitavam mais uma ocasião para sair à rua e festejar um tempo novo a que não sabiam ainda o que chamar. Na fila de miúdos que estava à frente não deixava de estar também um militar que impunha alguma ordem mesmo que sem grande convicção. Como se só houvesse aquela canção, a voz de Ermelinda Duarte e a sua gaivota que voava, voava, lembrava-nos que éramos finalmente livres. Livres para voar, para crescer, para dizer. Eu não sabia bem o que queria dizer liberdade mas não havia música melhor para aquele dia. O título da notícia era "Dia mundial da criança na força da liberdade".