... da morfologia da palavra-chave: do "jardinismo" para o "albuquerquismo".
segunda-feira, 30 de março de 2015
Benfica
Não chove nem está sol. Mas o grande guarda-chuva que segura entre as mãos está aberto. Adormeceu e o seu corpo escorregou encontrando-se apoiado no banco onde o homem se sentou, formando quase um ângulo raso. Também os óculos escorregaram e estão suspensos na ponta do nariz. Na manhã de domingo muitos são os casais de velhos que passeiam pela rua num bairro onde se vêem poucos jovens. Uns vão de mãos dadas, caminhando devagar, conversando. Outros, lado a lado, em silêncio, olham as montras das lojas olhando-se por vezes, quando estas lhes devolvem o seu reflexo. Aparentemente ninguém repara no homem que dorme. Como se tivesse percebido que estava quase a cair, está agora mais sentado no banco. O grande guarda-chuva que segura entre as mãos continua aberto. Mas não chove nem está sol.
terça-feira, 24 de março de 2015
Aqui não há heróis ("positivos")
Ao procurar o trailer do filme, li alguns dos comentários que anónimos foram deixando. Mesmo não compreendendo os que utilizam o alfabeto cirílico podemos perceber que muitos russos não se revêem neste filme. Isso parece-me absolutamente normal. Esta é uma história particular. Mas o facto de se passar na Rússia actual, o retrato das relações de poder com a maioria dos indivíduos a serem completamente esmagados face a quem o detém; as referências a um passado não tão distante assim; a imagem de uma sociedade dominada pelos poderosos e pela Igreja que os protege, com uma justiça arbitrária; criou uma discussão à volta do filme, acentuada pelo facto de a sua visibilidade nos países ocidentais (com os quais as relações já foram melhores) ter sido bastante grande (candidato à Palma de Ouro em Cannes, escolhido como melhor filme estrangeiro nos Globos de Ouro e candidato ao Óscar de melhor filme estrangeiro). Responsáveis no país criticaram a falta de heróis positivos. Mas como se poderia ser positivo se o que sobressai na vida das principais personagens é a impotência face a uma realidade demasiado marcante e inóspita? E não é só a paisagem do Norte do país, junto ao mar de Barents, que reflecte a dureza daquelas vidas. Elas podem não ser reais. Mas não podemos deixar de pensar que se fossem reais elas só poderiam ser ainda mais duras. A imagem do filme que mais nos faz lembrar um Leviatã é não o esqueleto de um animal que deu à costa e perto do qual Roma se senta, mas o cortejo de carros de topo de gama que se afasta do edifício da igreja ortodoxa.
domingo, 22 de março de 2015
Para a semana há outro jogo
Mas não se duvide da capacidade de Jorge Jesus para despachar adversários...
quinta-feira, 19 de março de 2015
Uma vez por ano
Aniversário
Soprava trezentas e sessenta
e cinco vezes
a minha idade, as duas velas
estremeciam,
recolhiam-se, mas eram uma
surpresa e voltavam
sempre a acender-se.
Não sejam cruéis comigo.
in , Pedro Mexia, Menos por Menos , D. Quixote, 2011, pág. 29
Soprava trezentas e sessenta
e cinco vezes
a minha idade, as duas velas
estremeciam,
recolhiam-se, mas eram uma
surpresa e voltavam
sempre a acender-se.
Não sejam cruéis comigo.
in , Pedro Mexia, Menos por Menos , D. Quixote, 2011, pág. 29
quarta-feira, 18 de março de 2015
terça-feira, 17 de março de 2015
Pensamento egocêntrico do dia
O que me chateia nesta coisa da lista VIP de contribuintes é que eu nunca poderia estar nela...
segunda-feira, 16 de março de 2015
VEM com estilo
Afinal, parece que, ao contrário do que disse Pedro Lomba, o Governo PSD/CDS-PP vai conceder um apoio exclusivo aos emigrantes, que quiserem regressar a Portugal. Trata-se de uma mala especial que quer fazer esquecer as tradicionais malas de cartão e que o ex-emigrante futuro empreendedor (ou futuro empreendedor ex-emigrante ou futuro emigrante ex-empreendedor) deverá encher com ideias empreendedoras, meios para as desenvolver e sobretudo muita esperança. Não faltam já as más línguas, no entanto, que afirmam que elas são verdes para encher de recibos com a mesma cor ou que a versão insuflada é boa para guardar os melhores incentivos do governo que não passam exactamente disso mesmo: ar.
sexta-feira, 13 de março de 2015
Casamentos temáticos
O grupo de jovens entra no metro e todos se sentam. A conversa que vinha de fora continua: a preocupação com as fotografias que se publicam nas redes sociais em que os protagonistas não aparecem no seu melhor ângulo. Uma das raparigas queixa-se de uma sua, em especial, em que se destaca uma das unhas das mãos que não estava bem pintada. Logo de seguida informa os outros que, no dia seguinte, tem que enviar os convites do casamento. "Mas ainda faltam oito meses", diz uma das amigas, que acrescenta a pergunta: "Qual é o tema?"; ao que ela responde: "o Outono".
Foi assim que eu fiquei a saber que os casamentos, ou pelo menos alguns casamentos, agora têm tema. Aliás procurei agora no Google e logo encontrei sites que dão sugestões a esse nível (para além de ter encontrado a designação "wedding planner" para alguém que é especialista na preparação de casamentos). E se pensarmos bem os temas são inesgotáveis. Alguns há que poderiam ser bem originais... Nem vou lembrar nenhum. Deixo à vossa imaginação.
O aprendiz de excel
No metro, avô e neto, sentados frente a frente, discutiam a melhor forma de resolver alguns problemas num documento em excel. O mais velho, inexperiente na matéria, fazia as perguntas e o mais novo, de cerca de 10 anos, dava as respostas. O avô, cheio de dúvidas, colocava questões simples que o miúdo ia respondendo com paciência e num tom educativo. Claro que em muitas situações da vida podemos assistir a uma transmissão de saberes feita na direcção inversa ao que normalmente acontece. Mas esta achei-a particularmente interessante.
Para aquele avô há ainda muito caminho a percorrer mas a curiosidade e a vontade de aprender estão presentes. E afinal não seria esse exemplo uma bela transmissão de saberes para o neto?
quarta-feira, 11 de março de 2015
A Nova Lisboa que já não há
Desde que deixei de trabalhar na Baixa e estou para os lados do Campo Grande vou com alguma frequência, à hora de almoço, até à Av. da Igreja. É uma rua movimentada, com lojas e pessoas (e sem a quantidade enorme de turistas que tornam, por vezes, difícil a circulação nas áreas mais centrais). Nesses dias comia sempre na Confeitaria Nova Lisboa, uma daquelas pastelarias-restaurante que há na capital com pratos a preços acessíveis e fabrico próprio de fazer crescer água na boca. Percebi também, ao vê-las em qualquer altura do ano, que era a mesma empresa que fabricava aquelas amêndoas de Páscoa de que sempre gostei. Os clientes, percebia-se, eram habituais e alguns residentes na zona deixavam recados para familiares que passariam ali mais tarde. A mim, que não era propriamente cliente habitual, ofereciam sempre um pequeno bolinho com o café. Não era isso que me fazia voltar mas claro que ajudava apesar de não gostar nada do "avançado" em alumínio sobre o passeio.
Esta semana li no Corvo que a Nova Lisboa tinha fechado. Ontem, ao passar por lá, li o recado que deixaram na porta a agradecer aos clientes os 65 anos de trabalho. Uma senhora telefonava a alguém a avisar que o almoço que tinham marcado afinal não se poderia realizar ali. "Não compreendo. Vou perguntar ao senhor do quiosque, dizia".
Na esquina da rua, o McDonald's tinha muitos estudantes (a escola secundária é mesmo ali) e do outro lado da rua a esplanada da "Padaria Portuguesa" estava cheia. Não sei se a abertura desta última há poucos anos terá contribuído para este desfecho. Eu que, confesso, não consigo gostar nem um bocadinho daquela cadeia de lojas, espero que não. As modas nestas coisas fazem a diferença, eu sei, mas não compreendo como muitas pessoas deixaram os seus cafés habituais para estarem imenso tempo em filas (é o que vejo, normalmente) para comprar produtos caros e com qualidade normalmente inferior ao propagandeado. Aquela coisa da "guerra dos bairros" então...
Bem, mas não é para dizer mal da Padaria Portuguesa que escrevi. É para dizer que, tal como outras lojas que vão desaparecendo, a Nova Lisboa faz falta a Lisboa.
Bem, mas não é para dizer mal da Padaria Portuguesa que escrevi. É para dizer que, tal como outras lojas que vão desaparecendo, a Nova Lisboa faz falta a Lisboa.
terça-feira, 10 de março de 2015
As liberdades semânticas
Esta é uma fotografia do Hotel Porto Bay Liberdade, projecto do Arq. Frederico Valsassina. Em vários locais que referem a abertura deste hotel diz-se que foi preservada a fachada original do início do século XX ou, de forma mais abrangente, que preserva a fachada dos palacetes de Lisboa do início do século XX.
Ora, se é verdade que, relativamente a esta obra, tal como a outras, a liberdade de se gostar ou não é plena, a verdade é que dizer-se que se mantém a fachada original é o mesmo que dizer que a nossa receita de Bacalhau à Brás leva beterraba e inhame. É um facto que o bacalhau está lá. Mas chamar ao prato Bacalhau à Brás...
domingo, 8 de março de 2015
Ontem foi dia da mulher. Amanhã será dia da mulher.
sexta-feira, 6 de março de 2015
Pais e filhos
Comecei a escrever este post num tom generalista que abandonei por me parecer que esta minha experiência não tem necessariamente que ser comum a mais ninguém (embora certamente seja).
Não seria difícil imaginar que a fase da adolescência das minhas filhas (e porque elas não são diferentes de todas as outras adolescentes) não iria ser fácil. Não é, realmente. E ultimamente tenho-me dado conta que esta será, provavelmente, aquela fase das nossas vidas em que o desequilíbrio em termos de personalidade entre mim e elas se encontra mais acentuado e em que a forma como olhamos a realidade se encontra no ponto mais alto de afastamento. Se, por um lado, as minhas filhas estão absolutamente cheias de certezas e não há argumentos que as demovam das suas convicções, eu estou naquela fase da vida em que percebo que as poucas certezas que ficaram da minha própria adolescência, afinal, são bem pouco resistentes à passagem dos anos. No meu caso esta situação é agravada pela circunstância de, até naquela altura, as certezas não abundarem para o meu lado. E se admiro a sua capacidade de defenderem, até com teimosia, os seus pontos de vista, sinto-me impotente por não conseguir explicar-lhes o quanto as suas ideias já foram testadas e ultrapassadas, o quão idealistas e impossíveis de concretizar são alguns dos seus objectivos. Depois ponho-me a pensar que é por ser assim, com esta consciência da imperfeição do passado sempre em mente, que me sinto tão velha e, decididamente, não quero que elas se sintam velhas antes de tempo. Se isso acontecer que seja depois das escolhas que fizeram e dos erros que cometeram. E falar-lhes dos meus erros pode ser importante mas não é determinante para que elas evitem os seus próprios. Mesmo entre pais e filhos as diferenças de personalidade e a perspectiva que advém do lugar em que cada um está podem ser demasiado grandes para que a forma de encarar as situações passadas sirva de aprendizagem. Lembro-me, então, da frase atribuída a Kierkegaard: "a vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida olhando-se para a frente". E, face à dificuldade de conciliar no tempo as duas perspectivas, pois não podemos praticar as duas acções ao mesmo tempo, o que contará mais: compreender ou viver a vida?
Para esta pergunta é claro que não há resposta. Elas continuarão muito diferentes de mim. Os nossos tempos, no que à sabedoria diz respeito, nunca se cruzarão. Sabê-lo será, porventura, uma das maiores angústias dos pais. Estes, além do mais, têm a sua própria vida para viver. Mesmo que, olhando para trás, tenham dificuldade em compreendê-la.
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