Foi uma decisão do momento. Pensei que não me bastaria ver na televisão as imagens das cerimónias e do cortejo rumo ao cemitério. Por isso fui até ao Mosteiro dos Jerónimos. Prestei a homenagem que o meu coração me pediu. Àquela hora da manhã não eram muitos os que estavam presentes. Conveniente para mim, que não tive que ficar numa fila, mas que resultou em alguma tristeza por ver a sala vazia.
Já tudo se disse, nestes últimos dias, sobre o homem e sobre o político. As suas convicções, as suas contradições, os momentos bons e os maus. Como personagem histórica recente, com tão grande intervenção na vida do país, seria impossível que as decisões que tomou fossem apreciadas de forma consensual. E por isso, também na sua morte, houve quem lembrasse aquelas que contribuíram largamente para o avanço do país e as que, tendo sido mais polémicas, deixaram insatisfação. A forma como tudo foi expresso mostrou, mais uma vez, que somos capazes da mais elevada eloquência e da mais torpe boçalidade. Nisto não somos diferentes dos seres humanos em geral.
Mas, por sermos portugueses, e por não podermos ignorar, temos, de facto, que agradecer a Mário Soares. Claro que nunca saberemos como teria sido se, em vez dele, estivesse outro naqueles momentos decisivos para a vida do país. Mas a verdade é que era ele que estava e, com ele, o país deu grandes passos em frente. Eu, cuja primeira campanha presidencial para a sua eleição, foi a única em que participei, agradeço-lhe por mim e pelas minhas filhas. Agradeço ainda pelos filhos dos que, não tendo capacidade para o reconhecer, muito lhe devem também.
Foi nisto que pensava enquanto olhava a sua urna naquela sala fria mas bonita. E desejei que, há poucos meses atrás, quando o seu carro parou num semáforo junto ao passeio onde eu estava, ele tenha percebido o meu obrigada que, timidamente, desenhei com os lábios, logo depois do sorriso que me retribuiu.