As flores estavam frescas e as pedras de mármore brancas estavam limpas. O dia quente e cheio de sol levou muitos a aproveitarem para "visitar os seus mortos". O que alguns consideram um ritual um pouco macabro e sem qualquer préstimo só cumprido por quem, sendo católico, vai ao local rezar pelas almas dos que partiram, é, na realidade, uma situação absolutamente natural que faz parte do mundo dos vivos. O culto dos mortos, aliás, diz-nos muito deste mundo.
Enquanto nos outros dias as visitas ao cemitério se fazem de forma mais discreta, num contexto mais pessoal, neste dia (que apesar de não ser “Dia de Finados” é comummente o da romagem aos cemitérios) a azáfama é grande. É preciso assegurar que tudo fica limpo e bonito, mais para ser visto pelos amigos e conhecidos do que pelos que já não podem observar o resultado final. Mas é a partilha comum de sentimentos que unem os humanos nas suas experiências de perda que parece mais significativa neste dia. Todos e cada um dos que ali estão recordam uma ou mais pessoas, os seus rostos, as suas vozes, as experiências vividas em conjunto. Simultaneamente para os outros essas pessoas são apenas nomes gravados na pedra.
E se uns são mais discretos, outros, como os membros das famílias ciganas, fazem deste um momento de convívio ruidoso e de união. Com os jazigos abertos, sentados em bancos dispostos à sua volta, estão as mulheres. Os homens, em pé, conversam. As crianças brincam e andam "ao pão por Deus". E ali passam algumas horas.
Eu, que há já alguns anos não ia ao cemitério neste dia e que tenho a maior parte dos "meus mortos" longe, senti-me bem. Relembrei situações e pessoas: os meus padrinhos, José Bernardo e Maria Inês; a D. Alice, o Sr. Silvério, a Clarinha e o Sr. António. Chorei e sorri junto a eles. Vivi mais um pouco da minha vida.
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