A especial importância atribuída aos números redondos, normalmente terminados em zero, tem destas coisas.
1974 foi há 40 anos. E também por isso as comemorações deste 25 de Abril se multiplicam de uma forma impressionante. As iniciativas dos partidos e sindicatos e as mais institucionais são reforçadas. Os meios de comunicação social inventam novas formas de lembrar a data. Não há entidade pública, câmara municipal, junta de freguesia, museu, etc, que não tenha a sua programação. As Associações culturais e cívicas, mesmo com localizações muito próximas, rivalizam entre si nestes últimos dias pela divulgação dos seus programas. E, se não tinha nada preparado especificamente para a data, nada como adaptar as actividades normais e transformá-las em comemorações. Encontramos, assim, a par das tradicionais exposições, concertos, pinturas murais, lançamentos de livros, conferências, inaugurações, espectáculos de teatro, ou ciclos de cinema, etc.; as tais aulas de Yoga e até de Zumba...
Não me recordo de nos 20 ou nos 30 anos da Revolução, ter havido este afã de querer recordar aquele dia.
E dei por mim a pensar que alguma desta ânsia de comemoração terá a ver com o facto de sentirmos que na próxima data redonda (os 50 anos) muitos dos protagonistas já cá não estarão e mesmo os que têm recordações nítidas desse dia estarão mais velhos, com dificuldades em reconstituírem, como hoje ainda conseguem fazer, os acontecimentos.
É para que a memória continue bem viva que se multiplicam os documentários, a gravação de testemunhos, a recolha de opiniões. O esforço para deixar os melhores registos ajudará a fazer a história daquela época quando, já hoje, para muitos dos mais novos, que não viveram esse Abril, esta é uma data tão significativa quanto qualquer uma das outras que aprendem na disciplina de História. Sabem que o que aconteceu nesse dia teve uma influência importante no país e no quotidiano mas muitos deles confundem até datas e acontecimentos diferentes.
E nós, enquanto responsáveis pela sua socialização, sentimos alguma angústia perante a possibilidade de ela não ter sido suficientemente eficaz para que daqui a algumas décadas o dia 25 de Abril não seja comemorado como apenas mais um dia feriado, sem qualquer sentido, mas tenha o sabor que tem ainda hoje.
Por isso estes dois sentimentos em simultâneo. O que me faz pensar que todo este ambiente de comemoração é exagerado e até forçado e aquele que me diz ser importante a avalanche de iniciativas que nos lembram que Abril, mesmo que de forma apenas sonhada, é para todos.
E depois, a partir de amanhã, regressamos ao pós 25 de Abril, à nossa realidade, à que não nos dá muitos motivos para comemorar.