quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Socióloga à beira de um ataque de nervos

Como tantas coisas que me foram acontecendo na vida, licenciei-me em Sociologia. Fui eu que escolhi, é certo. Mas, envolta numa névoa de indecisão, preenchi o formulário de candidatura à universidade na noite do dia anterior à entrega e a cruz lá acabou por ficar naquela área de conhecimento de que só tinha tido uma cadeira na escola secundária, mas que, mercê de uma professora empenhada, me tinha despertado interesse. 
A licenciatura aconteceu, sem grande brilhantismo da minha parte, mas com um resultado que não envergonha. O entusiasmo, esse, nunca foi muito se considerarmos o que poderia ter sido.
Com o mestrado a sensação não foi muito diferente.
Ao longo do tempo que levo como socióloga tenho tido a sorte de me poder intitular assim, apesar de nem todas as tarefas que desempenhei terem sido da exclusiva alçada desta área de conhecimento.
Sempre entendi a Sociologia como uma base que me permite olhar para as situações de um determinado ponto de vista, ou, o que é mais importante, de vários pontos de vista. Os métodos e as técnicas que os profissionais da Sociologia utilizam são úteis mas sempre usados num contexto e tendo em conta as suas limitações. As estatísticas, por exemplo, cumprem o seu papel quando, através da recolha, da análise e da interpretação de dados nos permitem compreender o que sem elas se tornaria mais difícil ou até impossível.
Mas os sociólogos, tal como os profissionais das outras ciências sociais, sabem bem que a realidade dificilmente se deixa apreender por um qualquer estudo, por muito aprofundado que ele seja.
Depois de tudo isto dito confesso que, ao longo dos anos, muitas foram as vezes em que dei por mim a dizer, a propósito de determinadas situações, que "cada caso é um caso", expressão de difícil relação com uma ciência que estuda o comportamento humano em situação de grupo. Há dias em sinto que não há teorias, modelos, instrumentos de análise, capazes de tornar mais perceptível a realidade que nos cerca. Nesses dias questionar o valor e a capacidade da Sociologia para atingir esse objectivo é um exercício que não posso deixar de fazer. Tentar chegar a uma qualquer conclusão, isso sim, é coisa para me deixar à beira de um ataque de nervos.
(Pronto, está bem, exagero um bocadinho com esta ideia de estar à beira de um ataque de nervos. Mas não resisti à hipérbole).


6 comentários:

  1. Há por aqui matéria para comentários, mas prefiro guardá-los para uma tertúlia :)

    Só queria dizer-te que és mais decidida do que eu - conseguiste fazer a cruz de véspera!

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  2. Queres dizer que a tua decisão foi tomada no próprio dia? :)
    Quanto à tertúlia, a ver vamos... :)

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  3. :) Um belo texto confessional. É difícil e até aleatória a escolha de um curso. Eu, por exemplo, teria adorado filosofia, mas, por causa de um vizinho, fui parar a economia!

    Resta-me a consolação de nenhuma ciência, de não importa que objecto delimitado da realidade, poder formar-se sem a preliminar inserção num determinado questionamento filosófico do que seja ou é o mundo!

    E assim destaco esta tua confissão: «Há dias em sinto que não há teorias, modelos, instrumentos de análise, capazes de tornar mais perceptível a realidade que nos cerca.» :)

    Ora, não estás só. Também os físicos se dabatem na mesma perplexidade. Para não falar dos economistas, que não acertam uma! :)

    E porque é assim!?

    Ora bem, a mim parece-me que é assim por não poder deixar de o ser. Nem que fôssemos «Deus» conseguiríamos modelar o mundo! Porquê?

    Porque a causa específica de qualquer evento é pura e simplesmente indeterminável, por aleatória. A única coisa a que podemos aceder, enquanto seres observadores instintivos, condicionados e/ou inteligentes, é à constatação que a determinados tipo de eventos sucede habitualmente determinado tipo de efeitos.

    Mas detectar e explicar o que exactamente causou isto ou aquilo, ou que forçosamente o amanhã será semelhante ao hoje e ao ontem, isso é-nos vedado consguir. E nem «Deus» o consegue! Porque não há qualquer causalidade específica, determinável, do que quer seja ou aconteça.

    Por isso, a ciência nos remete para explicações de carácter genérico; os economistas, esses têm alguma sorte, porque numa área de escolhas, vinculam-se a uma disciplina lógica; e, como tal, obtemperam todos os seus enunciados de causalidade com a cláusula «ceteris paribus», i.e., A causa B, «tudo o mais constante»; ou seja, como tal raramente ocorre, sucede que A causa B, se causar, porque o mais provável é causar qualquer efeito vagamente dessemelhante de B. :)

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    1. Obrigada, Vasco, por lembrares estas questões. É claro que a ciência, qualquer que ela seja, apenas pode dar um contributo para explicar a realidade. Essa é uma das primeiras lições que todos aprendemos ao tomarmos contacto com ela. Mas, à medida que muitos se embrenham nas suas áreas de trabalho, por vezes vão esquecendo essas verdades mais básicas. E quando se trata de ciências sociais isso é agravado pelo facto de os não profissionais se acharem capazes de também se pronunciarem sobre os assuntos, de igual para igual, e de pedirem contas quando os resultados não são os esperados.
      No meu caso, Vasco, a minha questão é mais pessoal pois estou um pouco descrente em relação ao contributo que eu, enquanto socióloga, posso dar nesta fase difícil em que nos encontramos.

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  4. Bom, quanto à Sociologia ter uma propensão grupal, colectiva, talvez... mas que a dimensão individual, tratada por exemplo pelo Interacionismo Simbólico, é um assunto da sociologia, lá isso também é. Aliás, todas as disciplinas sociais têm essa duplicidade de correntes de abordagem: as orientadas para o colectivo e as orientadas para o indivíduo. De que outra maneira poderia ser, se a humanidade balança entre esta dualidade.

    Quanto à realidade, essa é uma rebelde e não se aprisiona com facilidade, se é que é aprisionável. Houve mesmo quem afirmasse, na filosofia lusa, que cada ciência cria a sua própria realidade e que o conhecimento científico é uma orgia de realidades (bem, esta última parte acrescentei eu :)

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    1. Bem, já vi que não tenho grandes motivos para estar à beira de um ataque de nervos...É só entrar na orgia... :)

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