sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Borboletas


Poupar nas placas

Edifícios novos, com fogos à venda, é algo banal actualmente. Tão banal que, ultimamente, em vez das placas das imobiliárias que dizem "vende-se" estas parecem ter optado por colocar apenas as placas de "vendido". Sempre é menos poluição visual. 

Seguindo os carris

O eléctrico acabou de passar. O homem, indiferente a outros carros que ali circulam, baixa-se e retira, da calha do carril, as beatas que consegue. Depois junta-as e guarda-as no bolso. 

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Pela manhã

As duas crianças dirigem-se, aparentemente, para a escola. É cedo e levam as mochilas às costas. Vão a conversar e riem. Ao passarem pelo monte de cartão, ao canto do prédio, abrandam o passo. Deixam de rir e seguem em silêncio. No monte de cartão nada se mexe. Mas dois olhos que acabaram de abrir seguem os seus passos.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Uma das razões/poemas porque gosto de Maria Sousa

do dia em que saíste sobrou a insónia

do dia em que saíste sobrou a insónia
método mais que imperfeito para medir as noites

os lábios quando já desistiram de ordenar palavras
insistem no passado

apago as luzes

não quero que a ausência seja bonita
mas o esquecimento não te faz transparente

in Maria Sousa, caderno de textos 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Na taberna

É muito cedo. A porta da taberna está aberta. Lá dentro o homem está sentado numa das mesas junto à entrada. Está virado para fora. Observa os carros que passam em fila e as pessoas que, dentro deles, provavelmente a caminho do trabalho, assobiam as músicas do rádio. O copo em cima da mesa está esquecido.  

O amor e uma cabana... versão alvenaria


De realçar a impossibilidade de entrar na "cabana".

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Manifestações

Nestes últimos dias, amigos, colegas e conhecidos têm repetido, à exaustão a pergunta "então, foste à manifestação"? Perante a resposta muitos me olham de uma forma estranha. Pois é! Não, não fui à manifestação. E até podia. Um preciosismo de linguagem, dirão! Mas eu não poderia ir a uma manifestação que tinha como lema “Que se lixe a Troika! Queremos as nossas vidas!".
Sei que todos nós (uns mais que outros, é certo) temos razões para nos manifestarmos. Mesmo não percebendo grande coisa de economia, não se podem ignorar todas as críticas e os argumentos apresentados por quem assegura que as recentes medidas apresentadas por Passos Coelho não terão os efeitos desejados, bem pelo contrário. Não votei em nenhum dos partidos que compõem este governo. Analisando a história recente do país e por razões ideológicas. Mas tenho quase a certeza que, se estivesse no poder aquele em que eu votei, a manifestação teria acontecido na mesma. Aliás, é ver em todos os debates ou intervenções. Todos sabem que a situação é muito negativa mas ninguém apresenta medidas razoáveis ou exequíveis. Na actual situação todos os partidos que já estiveram no poder têm culpas. Os que nunca lá estiveram nunca puderam testar as suas teorias e este momento não será a melhor altura para o fazer.
Quanto à manifestação, gostei de ver que, quando querem, os portugueses se mobilizam e não tenho qualquer atitude paternalista em relação a isso. Manifestar que estamos descontentes ou, em certas situações, desesperados, é, não só um direito, mas até um dever. Quem está no poder, muitas vezes, não conhece suficientemente bem a realidade no sentido em que, não a sentindo na pele, é algo longínquo, e nada como uma imagem a substituir 1000 palavras.
Quem me dera a mim acreditar nas palavras de ordem que se ouviram. Mas, por mais que se queira, as nossas vidas há muito que deixaram de ser nossas. Em termos económicos somos absolutamente dependentes e para deixarmos de o ser muitas coisas teriam que mudar e a mudança é, como todos sabemos, de uma complexidade enorme.
Voltando às palavras: "que se lixe a troika" é algo que me parece inconsequente. Não acho que exista especial entusiasmo da sua parte quanto à estabilização económica de um país que sempre gastou muito e produziu pouco. Mas a alternativa qual é? Nós sozinhos a resolvermos o mega problema em que estamos metidos? Bem, se calhar, mas para isso seria necessário uns governantes geniais que não temos nem sei se existem. 
Dito isto, manifesto-me aqui contra as propostas de aumento da TSU; contra um governo que, pelos vistos, não estudou bem a lição antes de fazer a proposta; contra todos os que têm culpas no cartório; contra mim porque sou mais uma que não soube gerir a minha vida, por forma a não ter que me preocupar tanto com estas questões e contra os meus preciosismos de linguagem.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Milagres

Milagres como este não acontecem todos os dias... Ele imolou-se primeiro e entrou no Governo Civil depois? 
Pois é, eu sei que o assunto é demasiado sério para querer discorrer sobre a boa ou má utilização da nossa língua numa notícia como esta. Mas a verdade é que, quando a ouvi  ou li, pensei mesmo que os protestos tinham feito a primeira vítima. Felizmente não, apesar da gravidade da situação. Vá lá que hoje a maior parte dos órgãos de comunicação social já só falava em tentativa. É que entre a morte e a vida ainda há alguma diferença mesmo que, para alguns jornalistas, seja tudo igual...

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A atravessar a praça

Fá-lo com um passo altivo. O seu traje, aparentemente de seda, é absolutamente branco. A forma como o tecido, sem costuras, se molda ao seu corpo é de uma enorme graciosidade.
O sol, alto naquela hora do dia, cria áreas de sombra e forma contrastes entre o claro e o escuro. Tudo no seu vestido... Não admira, portanto, o orgulho com que se cruza connosco. 

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Dois miúdos

Estão os dois sentados lado a lado, entre a arca frigorífica com os gelados e o quiosque dos jornais. A mulher que os acompanhava acaba de subir a rampa com um lençol que serve de cesto, cheio de roupa que quer vender "a 5 euros, tudo a 5". Um dos miúdos chora, com a boca muito aberta, como que a querer que o choro seja ouvido lá em cima, sobrepondo-se aos pregões. O outro limita-se a olhar quem passa por ali.

3 é mais barato

Há uns tempos atrás, quando víamos, na rua, aulas de condução de motas, víamos o aluno, na mota, a seguir o carro onde estava o instrutor. Hoje, vi, para um carro, ou seja um instrutor, três motas, ou seja três instruendos, que o seguiam.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Uma das razões/poemas porque gosto de Nuno Dempster


A Nogueira

No calor deste outono
a copa da nogueira brilha
como em Agosto. 
É sorte que o verão persista.

O inverno que aí vem de chuva e gelo
há muito que nos pesa.

Bastava o que se sente na cidade.

Porém ainda nada se perdeu.
Se a nogueira resiste,
podemos descansar um pouco.


in Nuno Dempster, Elegias de Cronos, Artefacto, 2012, pág. 35

Definições


domingo, 2 de setembro de 2012

É nisto que estou a pensar...

Os gestores dessa magnífica obra prima da humanidade que é o facebook, certamente para me agradarem para lá do imaginável, depois de me terem convidado a tomar eu a iniciativa,  resolveram publicar a minha cronologia pondo em ordem, sequencialmente, portanto, os acontecimentos históricos relevantes da minha existência partilhável. Ora tendo eu, desde muito cedo, a consciência de que me interessava registar o que me ia acontecendo ao longo do tempo (os diários e as agendas acompanharam-me durante um longo período) é com grande desconsolo que constato que, entre o meu nascimento e a actualidade poucas coisas constam, percebo que os eventos da vida estão em branco, e que não tenho capa.
Claro que tudo isso poderia ser preenchido se o tempo ou a capacidade de ultrapassar a minha enorme preguiça não me faltassem, ou se eu achasse que isso interessaria a alguém incluindo a mim própria. E claro que a questão que se coloca a seguir é: então para quê ter uma conta? Pois, eu pergunto o mesmo, pois  ainda não criei, com o facebook, qualquer relação interessante.
Mas sair da rede significa deixar de ter acesso a parte das vidas dos outros, o que gostam de ver, de ouvir, de ler, o que não gostam, onde estão, onde querem ir, se estão mais melancólicos ou se estão felizes, por razões que vamos percebendo através  do que escrevem em rectângulos, mesmo que tudo isso não corresponda ao que são quando saem da frente do computador. Então e estar meramente no papel de observador, dando muito pouco em troca, não é, de alguma forma, injusto? Pois...
Bem, vou acrescentar qualquer coisinha ao meu perfil. É assim que se diz? 

sábado, 1 de setembro de 2012

Para quem não esteve lá (2)

Um resumo e mais um vídeo, agora um clássico dos White Stripes:




Para quem não esteve lá! (1)

A coisa começou bem com o som forte dos The Poppers.




E se nos tivéssemos conhecido aos 14?

Contam-nos o final logo no princípio do filme. Mas a verdade é que não faz mal. Na realidade, na maior parte das vezes, sabemos como vão acabar certas histórias. É o que está no meio que faz a diferença.
Aqui a diferença está num livro que se finge ter lido, mesmo que marque o corpo, lembrando a sua ausência; num romance que se começa por transcrever mas que se acaba escrevendo e cuja ficção está, não na história em si, mas no acto de escrever; no medo do fracasso na literatura e na vida; na leitura de histórias antes de adormecer, para tentar tornar permanente o que sabemos que desaparecerá; na venda de livros, para comprar e cuidar de um bonsai, numa tentativa de manter algo que já não existe.



Alguns pormenores deste filme de que gostei: as t-shirts dos Ramones, a seta que indica a personagem principal numa cena numa rua movimentada, a leitura de um manual de instruções em inglês, a conversa sobre o latim, a cena da imobilização no passeio, o silêncio absoluto durante a viagem de táxi.