domingo, 31 de janeiro de 2010

Uma das razões/poemas porque gosto de Vasco Gato

e porque Janeiro é um dos meus meses preferidos...

janeiro

é esta a completude dos dias
quando se reúnem sobre a cidade
os sossegos da nossa idade já meiga.
são estas as palavras que ficam
desde o interior do nosso mais antigo nome.

é o inverno aberto de janeiro
com as árvores despidas e o frio azul,
é o ano que começa no tempo que é nada,
os bolsos que se enchem de mãos,
as casas que parecem mais juntas.

por esta altura estarão a nascer
as horas mais felizes das nossas vidas
- bebemos chá escutando o lume
e amanhã será um dia a menos,
um outro som acrescentado à voz,
um abraço fechando-se até ao amor.

in Vasco Gato, Um mover de mão, Assírio & Alvim, p. 10

Definitivamente republicana!

É este fim-de-semana que têm início as comemorações do centenário da República. E é na cidade do Porto por ter sido aí que, a 31 de Janeiro de 1891, teve lugar um levantamento militar contra o Governo e a coroa, dadas as suas cedências ao Ultimato britânico de 1890, considerado o primeiro movimento revolucionário com o objectivo de implantar o regime republicano em Portugal.

Tal como em Outubro passado, também por estes dias a discussão em torno da questão República versus Monarquia animou muita gente.

Confesso que, ao longo da minha vida, este assunto nunca me preocupou muito. Provavelmente porque viver numa República era, para mim, um dado adquirido que nunca senti necessidade de pôr em causa. Um busto da República, de barro pintado, já com a tinta toda a descascar era um dos poucos objectos que tinha restado do conjunto de pertences da casa do meu avô materno. Por ele ter desaparecido era eu uma criança, nunca tive oportunidade de lhe perguntar se a presença desse busto era casual ou correspondia a alguma convicção mas, pelo que recordo do meu avô, bem pode ser a segunda hipótese a verdadeira. Gosto de pensar que assim é.

Mas a verdade é que me apercebi, neste último ano, que existem mais partidários da causa monárquica do que imaginava. No entanto, dos argumentos que tenho lido até agora, não me conseguiram convencer que a Monarquia é melhor que a República.

Em Portugal, ultimamente, enquanto uns preparam as comemorações das datas mais importantes desse período da história, outros falam da 1.ª República como um exemplo de como este regime não funciona. Para os primeiros, ela marca a época anterior à Revolução Nacional de 1926 (precursora da ditadura) em que foram testados os modelos de democracia mais avançados na altura. Para os segundos ela é uma época de instabilidade, em que se cometeram excessos gritantes.

É um facto que, devido a divergências entre os próprios republicanos, em 16 anos, cheios de conflitos, houve 7 parlamentos, oito presidentes da república e 46 governos. É um facto que os meios de divulgação deste novo regime, em todo o território, eram demasiado impositivos. É um facto, também, que as condições económicas em Portugal, agravadas pela 1.ª guerra mundial, eram atrozes, bem como indicadores como a taxa de analfabetismo, por exemplo. Mas fazer uma ligação directa entre a situação que se vivia nas ruas e a nova forma de organizar a vida política é não querer ver que as características de país periférico, com um desenvolvimento quase nulo, na maior parte dos sectores, tinha as suas raízes muito atrás.

Também se argumenta que muitos dos países mais desenvolvidos do mundo são monarquias. Mas dizer que uma coisa é causa e outra é efeito é algo completamente diferente.

As repúblicas, muitas e diversas, e as monarquias, muitas e diversas também, nunca foram regimes isentos de defeitos. Mas fundamental, para mim, é que assentar a representação de um país numa figura que esteja nessa posição por uma simples sucessão hereditária nunca será melhor que eleger, através do voto, essa figura. E eu que já participei em várias eleições que tinham como objectivo eleger o Presidente da República quero continuar a fazê-lo pois, mesmo que nem sempre os candidatos demonstrem a excelência que se deseja, somos todos nós a contribuir para a escolha e não a mera transmissão de informações genéticas de pais para filhos.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Os Graffiti que nos observam



Júlio Pereira resolveu, desta vez, juntar aos seus instrumentos  as vozes de Maria João (que dispensa apresentações) e Luanda Cozetti (vocalista dos Couple Coffee e que já cantou com J.P. Simões).

As letras são de Tiago Torres da Silva e as músicas do disco são pintadas por Tiago Taron que costuma passar também pelos dias imperfeitos. Parabéns a todos pelo resultado deste projecto que pode ser acompanhado aqui (de onde copiei também a foto da capa do disco).

Vestida para a festa

Setembro, 2009

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O público


Setembro, 2009

A felicidade na sociedade do hiperconsumo (3)

A conclusão de Gilles Lipovestsky é que apesar do crescente domínio tecnológico não podemos controlar a felicidade, conceito múltiplo mas que todos reconhecemos como associado a uma certa alegria por estar vivo. A análise da felicidade escapa à matriz que normalmente utilizamos. Claro que a qualidade de vida objectivamente aumentou. Mas quando pensamos na vida subjectiva o padrão é completamente diferente. Sem dúvida que, ao contrário do que muitos ainda dizem, são os que se dizem mais pobres os menos felizes. Mas a verdade é que, à medida que somos mais ricos, não somos mais felizes. Os bens materiais dão-nos felicidade até um determinado limite, a partir do qual já não o fazem.

Quando se cruza a questão do consumo com a da felicidade facilmente nos apercebemos que o excesso do primeiro é criticável ao torná-lo um fim da existência em si mesmo. Ao viver para consumir há uma parte dessa vida que é desperdiçada nesse acto que não nos traz compensações, de forma proporcional. O consumo só fará sentido enquanto um meio. O objectivo principal do homem deve ser sempre pensar, progredir, ultrapassar-se.

Mas como reduzir a “paixão consumista” quando tudo à nossa volta nos empurra para tal? Lipovestsky pensa que não será a razão que irá subjugar a paixão mas sim uma nova paixão. Devem ser apresentadas aos indivíduos outras paixões, outros centros de interesse que, consoante as situações, podem ser o trabalho, a política, a arte ou outros. Interessa, acima de tudo, dar a capacidade aos seres humanos de viverem para lá do consumo, criando um novo equilíbrio, uma “ecologia da vida”. Mas para isso há que ter instrumentos. E é aí que o papel da escola se apresenta como fundamental. Perante a mundialização do consumo somos impotentes. Mas na educação temos margem de manobra. É por isso aí que deve ser concentrado o investimento.

“Impõe-se constatar que o nosso poder sobre as coisas segue uma curva exponencial, mas o nosso poder sobre a alegria de viver mantém-se muito fraco. As chaves que abrem as portas da felicidade não progridem, teimando em escapar ao controlo dos homens. Manifestamente, o projecto de poderio ilimitado dos modernos atinge aqui os seus limites.

Sem pessimismo, nem optimismo radical: resta-nos viver tendo a consciência de que a felicidade é o enigma indomável, imprevisível, inultrapassável de hoje como de amanhã.” (*)

(* Excerto do texto distribuído na conferência)

A leitura do jornal

O jornal está no chão, junto a uma daquelas caixas de electricidade que encontramos pelos passeios. O rapaz está a lê-lo. De cócoras, sem tocar o papel, debruçado sobre a realidade. Indiferente a quem dobra a esquina e quase lhe cai em cima. Provavelmente subjugado pelas notícias.

Provocação aos clientes (2)

Bem, entrei e perguntei. Nenhum dos empregados presentes me foi capaz de explicar a "filosofia" da campanha. Mas sugeriram-me que procurasse na "net". Claro, porque não me lembrei disso antes? Afinal sempre me senti um bocadinho es...

E aí está: trata-se da nova campanha da marca, desenvolvida pela agência britânica "Anomaly", que visa levar-nos a pensar que ser esperto não é tão criativo, inspirador, corajoso, etc., como ser estúpido e que se não tivéssemos pensamentos estúpidos não teríamos quaisquer pensamentos. Claro que, deste ponto de vista, quem usa artigos da Diesel será estúpido...



Tudo isto é um bocadinho forçado mas tem imagens interessantes, como estas:


retiradas daqui

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Provocação aos clientes



Não percebo bem a mensagem desta montra (da loja Diesel no Camões, em Lisboa). Será que nos estão a dizer que se ficarmos do lado de fora da loja somos estúpidos? Ou só que, com tais saldos, até ficamos de boca aberta? Amanhã vou entrar e perguntar. Espero que não me apareça nenhum René Artois a responder qualquer coisa do género: então não se vê logo, "you stupid woman"?

Duplo Agradecimento

Ao Pedro Correia do Delito de Opinião
- por esta referência
- e por esta.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Na montra, o branco e o azul

Ao passar, ao final do dia, por um café, junto ao Largo Camões, pude observar, junto à montra, uma imagem que parecia pertencer a outro tempo, há umas décadas atrás. Numa das mesas, onde se destacava uma toalha com quadrados azuis e brancos, uma mulher, já velha, estava sentada. Na cabeça  tinha um lenço, atado sob o queixo, azul, com bolas brancas.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

"Vocações"

Diz ele que "esta é a sua vocação".  Imaginem o que aconteceria se já usasse telemóvel durante a sua infância!

As sócias do Automóvel Clube de Portugal...

não devem achar muita graça ao anúncio que está a passar nas rádios portuguesas e que pretende divulgar as vantagens da assistência médica ao domicílio para os sócios daquele clube. É que, convenhamos, uma mãe que tem um filho a “arder em febre” e que precisa que seja aquele, no seu delírio, a sugerir que seja chamado um médico a casa, deixa bastante a desejar. Tal comportamento faz-nos pensar que, se o miúdo se esqueceu de lhe chamar a atenção para o pagamento das quotas, o melhor é ele próprio ligar para a Linha Saúde 24.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Operários do som


Setembro, 2009

A felicidade na sociedade de hiperconsumo (2)

(continuação)

Fim dos constrangimentos espacio-temporais ao consumo – actualmente consumimos em contínuo, em todo o lado e a toda a hora. O tempo da vida social alterou-se e o hiperconsumo implica a comercialização quase integral da vida. Uma das questões fundamentais e completamente recente, em termos históricos, é o consumidor internauta que não tem praticamente limites. Mas o conforto material obtido com o consumo já não chega. Os consumidores querem emoções. A exigência de qualidade chega em simultâneo com a de quantidade. A preocupação estética, com o design dos produtos está cada vez mais na ordem do dia. Nunca como hoje a decoração das habitações, dos jardins privados, a procura de serviços oferecidos para “cuidar do corpo”, em SPA’s, etc. constituíram áreas de consumo tão importantes.

Indiferença face ao futuro – perante o longo termo a atitude geral é a de não querer saber da degradação contínua da biosfera. Apesar dos desafios ecológicos e energéticos estarem na ordem do dia, a consciência dos males causados pelo hiperconsumo não é ainda significativa pelo que este tem ainda tendência para continuar sem que os alertas de quem luta pela sustentabilidade tenham eco real. (Ler a propósito este post).

“Qualquer que seja a intensidade das críticas apontadas à sociedade de hiperconsumo esta ainda só se encontra nos primórdios, sendo o cenário mais provável vir a alargar-se à escala do planeta numa época em que não há nenhum sistema alternativo credível. Nem os protestos ecologistas, nem as novas formas de consumo mais sóbrio, nem os «alterconsumidores» serão suficientes para pôr cobro ou travar a fuga em frente da mercantilização da experiência e dos modos de vida.” (*)

Depois de apresentar estes traços gerais, Lipovestsky avaliou então a sociedade no que respeita à “felicidade”. Segundo a sua opinião, vive-se uma situação paradoxal: vivemos cada vez mais tempo. Mas nem sempre isso nos torna mais felizes. O tempo do não trabalho diminui, a vida sexual é mais longa mas o stress negativo, mesmo a esses níveis, vai sempre aumentando.

A realidade é que, se em termos económicos, a dinâmica de crescimento é exponencial, a percepção da felicidade não cresce ao mesmo ritmo. Muitos convencem-se que a verdadeira solução é uma revolução interior e aderem aos movimentos que defendem que devemos mudar por dentro e assim, no mundo ocidental, temos cada vez mais seguidores do Budismo ou da “New Age”. Mas GL defende que ninguém possui a felicidade. Somos incapazes disso. A posse das coisas é só um dos elementos a ter em conta. Como ser incompleto, o homem precisa dos outros para ser feliz e não o será na sua individualidade. No entanto é fundamental ter sempre presente que não há felicidade perfeita. Na vida de cada um de nós há momentos de felicidade mas não existe o conceito de uma vida feliz.

“A sociedade de hiperconsumo é a da «felicidade paradoxal». Relativamente aos anos de 1960, consumimos o triplo da energia, contudo ninguém pode sustentar que somos três vezes mais felizes. Quanto mais se multiplicam as fruições privadas mais se afirmam as frustrações da vida íntima, as ânsias e as depressões, as desilusões afectivas e profissionais. As insatisfações próprias progridem proporcionalmente às satisfações proporcionadas pelo mercado.

O «trágico» da nossa época radica na dinâmica da individualização e em novas aspirações de vida feliz; quanto mais se afirma a exigência de felicidade privada, mais crescem, inevitavelmente, as insatisfações e desilusões de todo o tipo.” (*)

(* Excerto do texto distribuído na conferência)

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Café Haiti, Gafanha de Aquém

Sabemos todos que, cada vez mais, as não notícias são transformadas em notícias. Não há meio de comunicação social que não o faça. Mas há algumas, como esta, que, de tão ridículas, nos constrangem enquanto ouvintes (neste caso).

"Desde este lugar sem história..."


Não, não me enganei a colocar a fotografia. É mesmo assim que vemos o elevador quando espreitamos por este objecto colocado no cimo da Calçada da Glória:




quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Num qualquer café

Não sabemos se ela está à espera ou não. Sabemos apenas que está só. Com o casaco, o chapéu e uma das luvas calçada, imaginamos que não faz tenção de ficar muito tempo. Apenas o tempo suficiente para nós a não esquecermos. 


Edward Hopper, Cafetaria Automática, 1927

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Uma das razões/poemas porque gosto de Eugénio de Andrade

Espera

Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.

in Eugénio de Andrade, Corpo de amor, Colares editora

(Já foi ontem que passou mais um ano sobre o seu nascimento)

"Os mais belos e originais rótulos portugueses de bebidas"

Não gosto nada de pôr rótulos seja no que for. Mas destes até que apetece.


terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A felicidade na sociedade do hiperconsumo (1)

Foi no final de Outubro que assisti, na Fundação Gulbenkian, a uma conferência de que gostei bastante e da qual vou deixar aqui alguns apontamentos por me parecer que a sua actualidade está garantida. Proferida por Gilles Lipovestsky, professor de Filosofia na Universidade de Grenoble e ensaísta, nomeadamente na área da transformação dos valores e comportamentos nas sociedades ditas desenvolvidas, ela integrou-se na Conferência “O Ambiente na encruzilhada. Por um futuro sustentável.”

Tinha lido, há 20 anos atrás, um livro seu, “A era do Vazio”, e queria perceber a evolução do seu pensamento. Já nessa altura as suas preocupações se centravam nas atitudes de narcisismo, apatia e indiferença características das relações sociais nos países "desenvolvidos" do ocidente. O subtítulo do livro era: “ensaios sobre o individualismo contemporâneo”.

Basicamente as suas reflexões continuam a fazer-se no âmbito do consumo nas sociedades contemporâneas. Conceitos como “hipermodernidade”, “hiperindividualismo” (diferente de egoísmo) e “hiperconsumo” estão sempre presentes. Mas estes conceitos, fortemente ligados ao consumo de massas, não invalidam a existência de crescentes sinais positivos, como são o aumento da utilização do microcrédito ou o aparecimento, cada vez em maior número, de acções de voluntariado.

Lipovestsky começou a sua intervenção por chamar a atenção para o facto de continuarmos a utilizar a expressão “sociedade de consumo” apesar de estarmos já na presença de um novo estádio: a sociedade de hiperconsumo sendo o protagonista o hiperconsumidor.

Os traços desta sociedade são:

Individualismo crescente – até finais dos anos 70 do século passado a organização do consumo era feita à volta da família. Havia um objecto por casa (um automóvel, um aparelho de televisão, etc.). Actualmente a lógica é mais individual, há uma maior autonomia no uso dos objectos e serviços, “a chacun son objet”;

Desregulação dos comportamentos de classe – Até há algum tempo atrás o comportamento de consumo era enquadrado pela pertença de classe. Estas exerciam pressão sobre os indivíduos para que a utilização dos objectos fosse feita dentro dos padrões definidos para a classe social. Hoje a única diferença situa-se ao nível do dinheiro disponível. Os referenciais (as marcas, a beleza, por ex.) são os mesmos e obedecem à lógica da mundialização, acessível a todos. Nesta fase os extremos coabitam. Os hiperconsumidores querem uma coisa e o seu contrário. Há por exemplo uma obsessão pelo gratuito e pelos artigos de luxo;

Visão hedonista do consumo – as questões simbólicas, de estatuto, de prestígio (o modelo da distinção de Pierre Bourdieu) recuam face à procura de sensações de evasão, de prazer. O consumo permite viver experiências diferentes no seio das banalidades dos dias. E isso torna-se uma obsessão. Procura-se, numa dinâmica imparável, repetir as sensações, as experiências. E o mercado acompanha esta tendência ao lançar, sem cessar, novos produtos que alimentam a cadeia.

O hiperconsumidor quer viver agora, quer visitar todos os países que puder, questão que se pode cruzar com a mudança nos comportamentos religiosos pois a crença numa só vida é mais frequente. A lógica da poupança não está, então, na ordem do dia.

Mas este individualismo e hedonismo são acompanhados de uma dose imensa de ansiedade que se cura consumindo, numa espiral interminável. Gilles Lipovestsky não acredita que a crise que se vive actualmente mudará, significativamente, este comportamento.

Nem sempre se "cai para baixo"


segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Piquenique domingueiro

A via rápida é mesmo ali ao lado. Mas eles não parecem nada preocupados com o barulho dos automóveis ou com os gases dos escapes. E menos ainda com os olhares de quem passa de carro. A horta, criada neste terreno, entre estradas que se cruzam e que tratam como se fosse deles, está bem cuidada e, após o trabalho, nada como partilhar uma bela refeição em família.

Iluminação Pública?


Setembro, 2009

sábado, 16 de janeiro de 2010

O Amor no Olhar

Edith Piaf amou este homem quando o que tinha já vivido lhe permitia saber para quem valia a pena olhar. E, nesta gravação, conseguimos perceber o que ela sentia. Os seus lábios, que sussurram o que Théo canta, demonstram um instinto próprio de quem já tem tudo para si e quer dar em troca. Nos seus olhos, que raramente se afastam do rosto do seu amado, o brilho é tão intenso como se ele fosse uma fonte de luz que nela se reflecte.



Esmola Abençoada

O pedinte clássico estende a mão. Este junta as mãos como quem reza. No seu peito, pendurada ao pescoço, uma imagem emoldurada de N. Sra. de Fátima, com um recipiente acoplado. É uma caixa de esmolas amovível e 2 em 1. Dá-se esmola ao santo e directamente ao crente que dela beneficiará.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

E amanhã, o que farás tu da tua vida?

Por teres partilhado comigo esta canção agradeço-te, António. E, de partilha em partilha, lá chegaremos, a amanhã.




Do álbum "This Can't Be Love" (Música das Esferas, 2008) de David Ferreira. As fotografias são da fotógrafa alemã Antje Kroeger.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O Haiti é aqui tão perto

A ideia de que tudo o que acontece longe de nós não nos afecta já passou à história. A comunicação social lembra-nos que estamos todos implicados. É por isso que a nossa resposta deve ser célere e certeira. Nestas alturas nunca sabemos o que devemos ou podemos fazer e como. Mas há quem nos ajude a perceber.

Para uma festa em grande...


Eu não quero uma pista de aterragem ao pé de casa!

Este assunto já fez correr muita tinta. Eu, por mim, gostaria mesmo que levassem esta prova para bem longe!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Vontade de aprender

Cais do Sodré. A feira do livro (daquelas numa tenda que agora há todo o ano em quase todas as estações de metro e de comboio) estava praticamente vazia. Apenas algumas pessoas junto a uma banca à entrada. Com o afastamento de uma delas pude ver quais as obras que suscitavam mais interesse: alguns livros do género “auto-ajuda” e ainda, em destaque, “O Kama Sutra Pack” e “O Kama Sutra Box”.

Bruno Nogueira demolidor

Só mesmo o humor para dar uma resposta à altura do que foi dito por Pacheco Pereira.

Afinal somos bons...

 a meter água.

Obama e a religião

Este discurso foi proferido antes da sua eleição como presidente. Sem dúvida uma visão que contribuiu para a sua vitória. Interessante a forma como lida com uma questão verdadeiramente importante na sociedade americana.

Obama diz, por exemplo: “Democracy demands that the religiously motivated translate their concerns into universal, rather than religion-specific, values. It requires that their proposals be subject to argument, and amenable to reason. I may be opposed to abortion for religious reasons, but if I seek to pass a law banning the practice, I cannot simply point to the teachings of my church or evoke God's will. I have to explain why abortion violates some principle that is accessible to people of all faiths, including those with no faith at all.”




(obrigada António pela chamada de atenção para este vídeo)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Uma das razões/poemas porque gosto de Daniel Filipe

Aqui ainda podemos esquecer-nos
aqui ainda podemos fechar os olhos e sonhar
aqui ainda podemos ignorar voluntariamente
o dragão pela noite

Aqui ainda podemos fingir de homens
aqui ainda podemos sorrir como se nada fosse
aqui ainda podemos jogar obsessivamente o xadrez

Aqui ainda podemos ter pequenas ambições
aqui ainda podemos ser pequenos em tudo
aqui ainda podemos cruzar inteligentemente os braços

Aqui ainda podemos estar mortos e ler o jornal todos os dias
aqui ainda podemos responder a anúncios
aqui ainda podemos ter um tio nas Américas

Aqui ainda podemos ter um rádio portátil
aqui ainda podemos gostar de futebol
aqui ainda podemos ter uma amante oculta

Aqui ainda podemos ir cedo para casa
aqui ainda podemos estar no café com os amigos
aqui ainda podemos ter um jeito marítimo

Aqui ainda podemos
em silêncio esperar

in Daniel Filipe, A invenção do amor e outros poemas, Editorial Presença, p. 64

Air em Lisboa

Para quem gosta, os Air aí estão. No dia 16, no Coliseu dos Recreios em Lisboa.

sábado, 9 de janeiro de 2010

A importância da lei

8 de Janeiro de 2010. Esta é uma data a reter. Não só para alguns mas para toda a sociedade portuguesa que se viu confrontada com uma mudança significativa em termos civilizacionais. E mesmo que existam ainda questões pendentes, como a da adopção, que, certamente, se concretizará, a possibilidade de duas pessoas do mesmo sexo poderem optar pelo casamento, tornando-os iguais perante a lei, face a casais heterossexuais, é um avanço enorme. Claro que podemos discutir inúmeras questões relacionadas com este tema e nos últimos dias os argumentos contra e a favor têm sido apresentados em todos os meios e de todas as formas. Mas só o facto de tanta gente pensar sobre o assunto já é positivo.

Do que tenho lido e ouvido, parece-me que o debate continua mais centrado na questão mais global da homossexualidade do que na do casamento em si. Para muitos, o problema não é o facto destes casamentos se concretizarem (o argumento de alguns que dizem que, por esta lei ser aprovada, a família está em risco é apenas risível pois as alterações ao nível desta unidade têm sido imensas e a diminuição da natalidade não se acentuará pelo facto de casais que já não procriariam de outro modo, oficializarem a sua relação) mas o facto de haver pessoas do mesmo sexo que se querem casar, ou seja, que resolvam assumir perante a sociedade, o exterior, uma relação que existe, a maior parte das vezes apenas para o interior, para si próprios. Já ouvi uma senhora, na rua, dizer a outra que não imaginava que “eles se quisessem casar”. E acrescentava: “será que não têm vergonha”? Todos sabemos que não será a aprovação de uma lei que irá alterar este modo de pensar. Mas é exactamente para que os cidadãos saibam que não há que ter vergonha, pelo menos perante o Estado, e o Estado somos nós todos, que leis destas são importantes.

Há outras questões na sociedade portuguesa que merecem ser melhoradas em termos da legislação? Certamente. Há assuntos prementes a serem analisados? Claro que sim. Mas não venham dizer que este abanão nas certezas de muitos, que consideravam este tema impróprio para discutir no parlamento, não é motivo para nos sentirmos, hoje, um passo mais à frente no caminho para a igualdade.


sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A síndrome de Diógenes

Não, não vou falar do blogue do cão sem raiva.

Mas, a propósito do texto de ontem, achei que fazia sentido falar deste conjunto de sintomas que os médicos identificam como fazendo parte de um transtorno obsessivo compulsivo que leva, quem dele sofre, a acumular objectos velhos ou lixo, na ilusão de que ele fará falta ou é mesmo imprescindível. Muitos de nós sofrem, a uma escala não patológica, deste fenómeno. O coleccionador não está muito longe deste quadro. Mas quando a casa onde se vive está cheia, e quando digo cheia é mesmo cheia, de coisas que não servem para nada, que apresenta cheiro nauseabundo, de forma a ser um real problema de saúde pública, torna-se uma questão grave. (Ver também aqui)

Por razões profissionais já, por várias vezes, me deparei com situações destas. As pessoas que sofrem de síndrome de Diógenes, filósofo grego que viveu grande parte da sua vida como um mendigo, são normalmente idosas, sem distinção de sexo ou grupos económicos, vivem sozinhas e demonstram uma negligência extrema com a higiene, a alimentação, a saúde e a habitação. Algumas deixam de poder circular em algumas zonas da casa, de dormir nas suas camas, porque não conseguem lá chegar. Quase não saem, têm uma má relação com os vizinhos e uma desconfiança sem limites face aos “outros”. Qualquer tentativa de alterar a situação é muito mal recebida.

Quem estuda estas situações refere que há muitos casos de indivíduos com um percurso profissional bem sucedido e inteligência acima da média. Até agora ainda não foi possível perceber as razões que levam alguém, em determinada fase da vida, a adoptar comportamentos deste tipo. Confesso que é um tema que me intriga bastante. Mas a mente humana é mesmo complexa e, em certos casos, inexpugnável.

Onde está "o amarelo da Carris"?

Hoje deparei-me com o Elevador da Bica assim, espelhado. E ainda não percebi porquê.


quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O carrinho

Ele empurra um carrinho. Daqueles quadrados, um pouco maior que um carrinho de mão, com duas rodas. Empurra um carrinho desde sempre. Tem a minha idade e empurra um carrinho. Todos os dias esteja sol, chuva, vento, pela estrada, por entre os automóveis. E sempre o boné na cabeça. E sempre as mangas compridas, mesmo com o Verão em pleno. Vi-o envelhecer, ganhar cabelos brancos. E o carrinho sempre a ser empurrado. Tantos os quilómetros diariamente percorridos. Muitas vezes a mãe acompanha-o. Seca. De roupa colorida. As meias até aos joelhos, o lenço atado na cabeça. Sempre ao seu lado mas sem nunca tocar no carrinho, como se aquele fosse propriedade intocável do seu filho, a única propriedade. Nunca os vi conversarem. Nunca os vi sorrirem. Caminham sempre como se soubessem bem onde vão, como se cumprissem um dever. São respigadores apanhando, recolhendo aquilo que os outros não querem, que deitam fora. E fazem-no com critério, seleccionando o que entendem ser digno de ser levado. Nunca saberemos porque o fazem. É um segredo só deles.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Lhasa de Sela (1972-2010) (2)

Foi sobre ela o meu primeiro post, com a etiqueta música, que fiz aqui nos dias imperfeitos. Nesse dia tinha comprado o seu último disco, “Lhasa”. Comprei-o sem precisar de o ouvir antes. Sabia, desde o primeiro, que ela não me desiludiria. E não o fez, de facto. Ainda mais melancólico que os anteriores, tem textos lindos, todos da sua autoria. Eu não sabia mas, na altura, já a doença a afectava.

Hoje, na TSF, voltou a passar uma entrevista, já de Janeiro de 2005, onde Carlos Vaz Marques, sempre brilhante, a leva a contar-nos pormenores da sua vida e do seu pensamento. Naquela altura ela nunca tinha ido a Lhasa, capital do Tibete, cujo nome, ao ser lido pela sua mãe, cinco meses depois de a filha ter nascido, a fez decidir-se. Os seus pais, “hippies radicais”, como disse, não a levaram à escola até aos 13 anos. No entanto parece ter aprendido tudo o que é realmente importante.

A palavra filosofia foi muitas vezes utilizada. Contou-nos que já nasceu triste, nostálgica, melancólica e que as questões sobre a morte e a vida sempre ocuparam o seu pensamento. Disse que a música triste não lhe trazia tristeza e que, com os anos, tinha aprendido que a vida é dura, para a maior parte das pessoas e que, por isso, era mais fácil a tristeza. Mais difícil era ser alegre.

A sua visão do mundo permitia-lhe falar das fronteiras entre países como uma tentativa de proteger uma determinada cultura, mas que, simultaneamente, os fecham, os tornam mais pobres. Também no caso das pessoas, as fronteiras existem e, para Lhasa, devíamos ter a capacidade de as defender sem exércitos. Por isso não compreendia a palavra inimigo.

Quando Carlos Vaz Marques lhe perguntou, dada a sua visível melancolia, se se sentia mal no mundo ela respondeu que não. Pelo contrário amava a vida e gostava muito de viver nesta época.Que isto nos sirva de consolo.

Numa das canções do último disco ela dizia:
"I can wait another year or two
But not one moment more"

Lhasa de Sela não voltará a cantar as canções que encheram já os nossos dias imperfeitos. Mas os seus discos estão aí para nos acompanhar em muitos dos que ainda temos para viver.


segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Lhasa de Sela (1972-2010)

Que grande merda!

Como é que ela nos fez uma coisa destas?

Edith Piaf e os Ramones

O que têm em comum Edith Piaf e os Ramones? Provavelmente nada. A não ser para mim que os descobri mais ou menos na mesma altura, quando adolescente, no início dos anos 80 do século passado. Não raramente, durante as ausências dos meus pais, se ouvia, num volume bem alto, Edith Piaf seguida dos Ramones, ou vice-versa. Certamente isso intrigaria os vizinhos. Na realidade tanto uma como os outros me faziam vibrar. A verdade é que ainda hoje fazem.

Nestes dois vídeos duas curiosidades: no primeiro, Edith Piaf "diz" a letra de "Milord" em inglês, antes de a cantar; no segundo, os Ramones tocam, num programa de televisão, acompanhados de um quarteto de violinos.




domingo, 3 de janeiro de 2010

As gasolineiras e a (sua contribuição para a) emancipação feminina

Se há coisa que sempre me custou fazer foi pôr gasolina no carro nas bombas que têm “self-service”. E não é só por achar que são mais alguns postos de trabalho que se perdem. A verdade é que aqueles gestos, necessários à colocação da gasolina no depósito, sempre me foram tão hostis que sempre procurei bombas de gasolina onde empregados cumprem essa tarefa.

Tenho sempre a sensação que não vou conseguir abrir o depósito, que a agulheta não fica bem colocada, que a gasolina vai deitar por fora, que quem estiver a assistir se vai rir com a minha falta de jeito… enfim, um sem número de disparates que, no entanto, me deixam sempre atrapalhada e me fazem olhar com grande admiração para as mulheres que o fazem com grande à vontade (e parece-me que não sou só eu porque falei com algumas amigas que me disseram que sentiam o mesmo).

Pois agora o local onde habitualmente punha gasolina mudou de “operadora” e eu, fiel à marca, vi-me obrigada, um destes dias, a abastecer-me numa dessas bombas self-service. Custou-me bastante, é verdade. Mas afinal consegui dar conta do recado sozinha. Que vitória!

Saí de lá com a certeza que me tinha emancipado mais um pouco e percebi que o facto de as gasolineiras, com a valência de serviço incluído, estarem a desaparecer contribui para aumentar o nível de auto estima de algumas de nós.

Escadinhas da Saúde


Setembro, 2009

sábado, 2 de janeiro de 2010

Conselho para o novo ano

- (...) Vós quereis tentar a sorte na grande cidade, e sabeis bem que é lá que deveis gastar essa aura de valentia que a longa inacção dentro destas muralhas vos houver concedido. Procurareis também a fortuna, e devereis ser hábil a obtê-la. Se aqui aprendeste a escapar à bala de um mosquete, lá deveis aprender a saber escapar à inveja, ao ciúme, à rapacidade, batendo-vos com armas iguais com os vossos adversários, ou seja, com todos. E portanto escutai-me. Há meia hora que me interrompeis dizendo o que pensais, e com o ar de interrogar quereis mostrar-me que me engano. Nunca mais o façais, especialmente com os poderosos. Às vezes a confiança na vossa argúcia e o sentimento de dever testemunhar a verdade poderiam impelir-vos a dar um bom conselho a quem é mais do que vós. Nunca o façais. Toda a vitória produz ódio no vencido, e se se obtiver sobre o nosso próprio senhor, ou é estúpida ou é prejudicial. Os príncipes desejam ser ajudados mas não superados.

Mas sede prudente também com os vossos iguais. Não humilheis com as vossas virtudes. Nunca falei de vós mesmos: ou vos gabaríeis, que é vaidade, ou vos vituperaríeis, que é estultícia. Deixai antes que os outros vos descubram alguma pecha venial, que a inveja possa roer sem demasiado dano vosso. Devereis ser de bastante e às vezes parecer de pouco. A avestruz não aspira a erguer-se nos ares, expondo-se a uma exemplar queda: deixa descobrir pouco a pouco a beleza das suas plumas. E sobretudo, se tiverdes paixões, não as ponhais à vista, por mais nobres que vos pareçam. Não se deve consentir a todos o acesso ao nosso próprio coração. Um silêncio cauto e prudente é o cofre da sensatez.

Umberto Eco, in 'A Ilha do Dia Antes'

As paredes também têm rugas