sábado, 13 de junho de 2015

Desse livro inesgotável

Devaneio entre Cascais e Lisboa. Fui pagar a Cascais uma contribuição do patrão Vasques, de uma casa que tem no Estoril. 
Gozei antecipadamente o prazer de ir, uma hora para lá, uma hora para cá, vendo os aspectos sempre vários do grande rio e da sua foz atlântica. Na verdade, ao ir, perdi-me em meditações abstractas, vendo sem ver as paisagens aquáticas que me alegrava ir ver, e, ao voltar, perdi-me na fixação destas sensações. Não seria capaz de descrever o mais pequeno pormenor da viagem, o mais pequeno trecho de visível. Lucrei estas páginas, por olvido e contradição. Não sei se isso é melhor ou pior do que o contrário, que também não sei o que é.

O comboio abranda, é o Cais do Sodré. Cheguei a Lisboa, mas não a uma conclusão.


in Fernando Pessoa,  Livro do Desassossego, Edição Teresa Sobral Cunha, Lisboa, Relógio D'Água Editores, 2008, p. 458

4 comentários:

  1. inesgotável, inspirador (e também assustador...).

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  2. Hoje á tarde fui ao Teatro D.Maria, assistir à representação da peça
    Do desassossego. Carlos Paulo representa bem as palavras de Fernando
    Pessoa. Andei um pouco ,perto do teatro e pensei, que diferente está
    esta Lisboa ,do tempo em que Pessoa ali viveu.
    Fiquei triste porque trabalhei vários anos nos Restauradores e ao perguntar
    numa tabacaria qual era o futuro dos dois imóveis onde passei grande
    parte da minha vida, foi-me dito que estavam vendidos a chineses e que
    seriam hotéis e apartamentos. Toda a .baixa está inundada de hotéis.
    Esta já não é a minha cidade e fico triste. O que sentiria Fernando Pessoa,
    como tão bem saberia dizê-lo... e não tão pobremente como eu fiz.
    Peço desculpa de fazer um comentário tão longo, mas soube-me bem ter
    este desabafo.
    Uma boa semana para si.

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    1. Obrigada, Maria. Vi essa peça há uns anos na Comuna. Gostei bastante (mas eu sou suspeita porque gosto muito do Carlos Paulo).
      Quanto à Baixa, e Lisboa em geral, quando tiver tempo, um dia destes, escrevo qualquer coisa aqui. Mas percebo o que diz. Apesar de saber que a "sua" Lisboa já foi diferente da de Pessoa e que a mudança faz parte dessa evolução. É o querer acelerar essa mudança, sugando ao máximo certas características, que os actores da cidade a tornam, no limite, uma cidade de ninguém...

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