quarta-feira, 23 de abril de 2014

Um olhar




A foto foi tirada há cerca de um mês sob o Arco da Rua Augusta. Aí, a Câmara Municipal de Lisboa, a propósito do lançamento deste livro colocou uma tela com uma das mais famosas fotografias tiradas por Alfredo Cunha naquele dia de Abril, que mais uma vez comemoramos. Tirei duas fotografias. Esta, a que me parece melhor, está invertida (foi tirada da rua e não do Terreiro do Paço). Salgueiro Maia está, portanto, a olhar-nos numa outra direcção, que não a mesma da fotografia original.
Sabemos, pelo próprio fotógrafo, que foi interrompendo a revolução e numa atitude de pose, que o capitão decidiu ser fotografado. Não sei se em alguma situação ele chegou a dizer o que estava a pensar naquela altura.
As consequências de certos actos só muito mais tarde são conhecidas. Mas a verdade é que, numa pose estudada ou por verdadeira convicção, Salgueiro Maia sempre nos pareceu, nesta imagem, transmitir uma ideia de segurança, de quem está a fazer o que tem que ser feito.
A mim, impressionam-me os olhos cansados que podem indicar apenas a noite mal dormida ou revelar mais do que isso, um cansaço partilhado por muitos mais que ele. Impressiona-me a calma do seu rosto, uma boca fechada, mas sem rasgo de ira  ou de entusiasmo, quando tudo à volta se desfazia e fazia de novo. 
Mas impressiona-me, sobretudo, o seu olhar onde vejo alguma tristeza interrogativa, longe de adivinhar o rumo que outros dariam a uma revolução que estava a acontecer ali, naquele momento e que poderia ter acontecido de outra forma se não fosse ele naquela fotografia. 

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